O futuro é reciclável, elétrico e sustentável. O mundo assiste à substituição dos automóveis a combustão por veículos elétricos. No Brasil, o ritmo da transformação não é mais acelerado pelo ainda alto preço e pela incipiente infraestrutura de recarga de baterias. Soma-se, ainda, o equacionamento da reciclagem de baterias para evitar maiores custos ambientais.
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O fato é que, além da economia pelo maior desempenho do veículo e da alternativa mais limpa ao meio ambiente, a mobilidade elétrica abre oportunidades de negócios ao Brasil que poderá virar o jogo e passar a produzir baterias a partir da própria reciclagem porque conta com minérios em seu solo.
Entre os que se empenham nesta busca está o diretor de Infraestrutura da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE), Marcelo Cairolli (foto). Como vice-presidente de Negócios da América Latina da Re-Tech, uma empresa global de soluções em logística reversa, ele tem a reciclagem de baterias em suas rotinas e vislumbra um futuro promissor.
Mais do que risco, Cairolli vê oportunidade de o Brasil, com sua matriz energética limpa ímpar, se transformar em fabricante de baterias a partir da mineração de manganês, níquel, cobre, cobalto e lítio, os dois últimos já disponíveis no País. Cada um cuidando do seu papel. No Brasil, a Política Nacional de Resíduos Sólidos determina que a responsabilidade de coleta, transporte, reciclagem e descarte de baterias é dos fabricantes, importadores e distribuidores.
“Temos capacidade local de testar e dar manutenção às baterias elétricas, mas será necessário avançar muito em tecnologia e em conscientização para nos tornarmos um fornecedor relevante”, observa ele. Mesmo com uma frota elétrica jovem que ainda não exige troca de baterias, o País já está preparado, segundo ele, para coletar, separar e destinar os componentes minerais atualmente exportados, transformando-os em negócios localmente.
Os grandes compradores, já com uma indústria madura de carros elétricos e, portanto, de baterias recicláveis, como a Bélgica, Alemanha, EUA, Japão e Coreia do Sul transformam os resíduos triturados dos descartes em pó. Este, por sua vez, vira uma massa da qual são extraídos novamente os minérios integrantes na bateria. “A massa negra já alcançou importante valor de venda no mercado global, próximo à valorização das commodities nas bolsas de valores”, compara ele.
Para ter viabilidade neste expressivo negócio, o Brasil precisará contar com um parque de veículos elétricos da ordem de 3 a 5 milhões de unidades, o que, nas projeções da ABVE e entidades da área da eletrônica, deverá ser alcançado em oito a 10 anos, a julgar pelo ritmo anual de crescimento do mercado de mobilidade elétrica. “Com reciclagem proporcional ao porte do mercado, serão gerados resíduos suficientes para retroalimentar a fabricação de baterias com os componentes necessários, aliviando a natureza”, calcula. Marcelo Cairolli lembra que este é um universo que também vai forçar a formação de uma mão de obra técnica de alto nível. “Seria o melhor dos mundos para o mundo e para o Brasil”, finaliza.
Diante das tragédias climáticas, é crescente o apoio dos governos para a substituição da frota de veículos por alternativas menos poluidoras, inclusive oferecendo incentivos fiscais e econômicos. Em 2023, foram vendidos aproximadamente 14 milhões de carros elétricos, segundo o Global EV Outlook, uma publicação anual que discute o panorama mundial de veículos elétricos. À medida que essa frota se expande, mais baterias de veículos elétricos alcançarão o fim de seu ciclo de vida útil, o que ocorre em cerca de oito anos. Com isso, surge a necessidade urgente de reciclagem adequada e ambientalmente responsável.
A União Europeia, igualmente, aposta no setor por conta das mudanças climáticas e planeja construir gigafábricas, mas encontra vulnerabilidade na dependência total de importações de insumos. A União Europeia até já estipulou 2035 como data para o fim dos carros com motor a combustão. O Brasil não chegou a tanto dada sua frota eletrificada ainda não expressiva, mas é crescente. Mas a maior produtora de veículos elétricos e líder em reciclagem de baterias é a China que, segundo o Instituto Fraunhofer de Pesquisa de Sistemas e Inovação, está à frente da EU cerca de 10 vezes.
No primeiro semestre de 2024 os emplacamentos no Brasil subiram 146%. Incluindo julho, o mercado nacional emplacou 94.616 veículos leves eletrificados, superando a marca simbólica de 300 mil veículos elétricos e híbridos leves em circulação, nas diferentes tecnologias de eletrificação (elétricos, híbridos e híbridos plug-in).
Segundo a Fenabrave, a participação exclusiva dos elétricos tem se mantido em 7% nas vendas nos últimos meses. E a ABVE reforça sua previsão de vendas superiores a 150 mil veículos leves eletrificados até o final de 2024. A Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) vai além e prevê que a comercialização de veículos híbridos e elétricos leves pode ultrapassar a de veículos a combustão até o fim desta década.
A estimativa é de atingir 1,5 milhão em 2030, podendo representar mais de 90% em 2040. Já os veículos pesados com novas tecnologias de propulsão podem representar 60% em 2040 e os ônibus urbanos elétricos podem ultrapassar 50% já em 2035.
Tamanho interesse também se deve à pressão dos fabricantes brasileiros para que o governo antecipe a data de aumento da taxação para 35% sobre a importação de modelos elétricos e híbridos previsto somente para 2026. É o chamado Imposto do Pecado, o que é questionável pelo setor em função do papel ambiental do carro elétrico. Atualmente a alíquota de importação sobre os elétricos é de 18%, os híbridos 25% e os híbridos plug-in 20%.
Embora ainda não existam no Brasil veículos elétricos com baterias em fase de reciclagem, uma vez que a durabilidade é de 10 a 15 anos, o País já conta com empresas especializadas como a Energy Source, a primeira do mundo a oferecer uma solução sustentável pelo reuso e reciclagem de baterias de lítio.
Com a experiência de produção de 10 MWh de baterias de segunda vida, reparos de 4 toneladas de baterias, 550 pontos de coletas e reciclagem de 700 toneladas de baterias em oito anos de atividade, a empresa se orgulha de exercitar os “4Rs” da economia circular: logística reversa, reparo, reuso e reciclagem.
“Somos parte da solução global para o enfrentamento da crise climática, unindo, em um grande ecossistema circular para baterias de lítio, as duas principais estratégias necessárias: a transição energética e a recuperação de recursos”, ressalta Ariane Mayer (foto), diretora de Negócios e ESG da Energy Source.
No processo de reciclagem de baterias de lítio, a empresa – que já atuava no Brasil coletando e reciclando as baterias de lítio de aparelhos celulares, notebooks, tablets e máquinas de cartão – utiliza um processo de hidrometalurgia, livre de emissão de carbono. O sistema promete eficiência superior a 90% na recuperação dos metais e óxidos (lítio, níquel, cobalto e cobre). A experiência mostra que o processamento de uma tonelada de bateria de lítio – a mais usada no Brasil – evita que quatro toneladas de carbono sejam emitidas na atmosfera. Outros métodos de reciclagem são a direta e a pirometalurgia, de alto consumo energético.
Para a executiva da Energy Source, ao ingressar forte neste mercado o Brasil contribui para alcançar os objetivos de sustentabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU) como erradicação da pobreza, trabalho decente, inovação e infraestrutura na indústria, cidades e comunidades sustentáveis e produção e consumo responsáveis, entre outros. Quanto ao futuro da reciclagem de baterias, quem responde é o CEO e fundador da empresa, David Noronha: “A eletrificação avança em todas as dimensões movidas por uma bateria de lítio, não só nos veículos, mas no aspirador de pó, fone de ouvido, robôs, máquinas de cartão, notebook, tablet e drones, e nós temos know how para a correta reciclagem”.
Para o diretor de Eletromobilidade da Associação Brasileira de Engenheira Automotiva (AEA), Gustavo Noronha (foto), a reciclagem de baterias enfrenta vários desafios que estão sendo vencidos com conhecimento e tecnologia, mas apontou a educação e a conscientização como o maior deles. A entidade trabalha neste sentido editando a Cartilha: Eletromobilidade – Veículos Eletrificados, que busca desmistificar os paradigmas negativos em torno do tema.
“O mundo automotivo já entende o ecossistema da eletromobilidade, mas a sociedade está ainda aprendendo”, comenta ele, ao observar que se trata de um conceito amplo que envolve economia circular com impactos positivos para as pessoas e para a natureza.
A AEA entende que o Brasil tem grande chance de ser protagonista neste mundo pela sua matriz energética limpa e pela disponibilidade de biocombustível, o que permite o convívio harmônico entre os diferentes sistemas por longo prazo. “É um caminho sem volta”, sentencia.
Ao contrário das baterias convencionais, a bateria de veículo eletrificado não quebra e é imediatamente trocada. Apenas as células que vão perdendo a capacidade de carregamento são trocadas e a bateria somente é substituída quando metade das células estiverem danificadas. Aí seguirá para a reciclagem, não sem antes serem utilizadas nas empresas e moradias em aplicações nos sistemas de armazenamento de energia eólica e solar ou em telecomunicações. É o que os especialistas chamam de “Segunda Vida”.
A reciclagem de baterias começa pela trituração, gerando plásticos, alumínio e cobre, além dos valiosos lítio, cobalto e níquel, os nobres que viram a “Massa Negra”. Separados, podem ser reciclados e aproveitados várias vezes, integrando as baterias de diferentes tipos.
O lítio é um velho conhecido já presente nas baterias dos telefones celulares e dos computadores. A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que até 2040, o uso do lítio aumente até 40 vezes com o ingresso acelerado dos carros elétricos no mercado, o que exigirá baterias cada vez mais eficientes.
A boa notícia é que o Brasil é detentor da sétima maior reserva de lítio do mundo, de acordo com o Ministério de Minas e Energia. E que tem um diferencial de contar com um padrão de mineral sem emissões de carbono, rejeitos e substâncias químicas nocivas. É o que se chama de Triplo Zero.
O “Vale do Lítio” brasileiro está concentrado em 14 cidades mineiras nos vales do Mucuri e do Jequitinhonha, esse concentrando 85% das reservas de lítio nacionais e 8% das reservas mundiais, segundo o Serviço Geológico do Brasil. E o governo brasileiro estuda a prospecção de novas incidências, inclusive no Nordeste, na região de Borborema. Por conta deste atrativo, o Estado mineiro espera receber até R$ 30 bilhões em investimentos até 2030 para abastecer uma demanda global que crescerá 1.000% até 2050.
Leonardo DallOlio (foto), diretor do Grupo Carmais, concessionária da BYD de Fortaleza, dentre outras oito marcas de automóveis, motocicletas e caminhões em suas 31 lojas de veículos novos e 12 de seminovos, conta que a BYD escolheu utilizar nas baterias de todos os seus modelos o componente químico LFP, por ser uma união química mais estável. Este fato, aliado à tecnologia de construção patenteada BLADE, eleva a qualidade, o desempenho e, principalmente, a segurança para o status de bateria mais segura do mundo.
A opção da BYD, segundo ele, integra as pretensões de inovação da Companhia para as próximas décadas, dentro do compromisso assumido de reduzir a temperatura da terra em 1º, somente com inovações tecnológicas sustentáveis no campo de baterias.
DallOlio lembra que os principais consumidores de energia são o sistema de ar condicionado e o motor elétrico, que consequentemente impactam na autonomia geral do carro. Com o passar do tempo e os ciclos de utilização, a bateria degrada impactando a autonomia. “Não significa que a bateria esteja no seu fim de vida, ou que seu descarte esteja próximo”, afirma ele informando que esta bateria servirá para a função de armazenamento residencial para ligar luzes, o sistema de ar condicionado, ou até mesmo como backup para um equipamento hospitalar em caso de falta repentina de energia. “Mesmo após décadas de utilização como bateria automotiva e residencial, ela pode ser ‘dividida em pedaços’ e ser utilizada como uma bateria portátil para carregar um celular”, exemplifica.
Para ele, os entraves ambientais estão equacionados. A seu ver, os principais desafios para a reciclagem hoje são a mão de obra, que precisa se aperfeiçoar para manusear equipamentos elétricos de alta complexidade, químicos que exigem vasto conhecimento para sua composição e também equipamentos de ponta para o correto manuseio. Um dos grandes fatores que facilitariam a utilização e a reciclagem seria a mobilidade da bateria, reduzindo sua massa e melhorando a segurança em conectores para reduzir risco de acidentes elétricos.
O diretor da Carmais não tem dúvidas de que a tendência é que as baterias durem cada vez mais, seja qual for sua aplicação, e, consequentemente, a reciclagem das mesmas será otimizada em métodos até mesmo ainda não conhecidos hoje pelo público geral.
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