Sancionado em agosto de 2023, o Regime Fiscal Sustentável, mais conhecido como Novo Arcabouço Fiscal, que estabelece metas e mecanismos para o governo, incluindo a busca por um déficit zero em 2024 e 2025, e um superávit de 0,25% em 2026, tem sido alvo de críticas. O Novo Arcabouço Fiscal é um mecanismo de controle do endividamento que substituiu o Teto de Gastos por um regime fiscal sustentável, “focado no equilíbrio entre arrecadação e despesas”.
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A intensão é impedir gastos acima de um limite. O regime condiciona maiores gastos do governo ao cumprimento de metas de resultado primário, buscando conter o endividamento e criando condições para a redução de juros e garantia de crescimento econômico. As críticas são direcionadas tanto às propostas estabelecidas, bem como ao seu não cumprimento. E isso tem colocado em dúvida sua eficácia.
Para Igor Lucena (foto), economista, doutor em relações Internacionais e CEO da Amero Consulting, o problema do arcabouço é que, desde quando foi aprovado até agora, se mostra ineficaz, porque “nenhum dos componentes que ele tem está sendo correto”.
“A ideia de ter um controle de gastos apenas pelo aumento de receita se mostra inverídica, porque as receitas que estão sendo apresentadas como aumentos são, na verdade, receitas extraordinárias, muitas delas parafiscais, como do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), do confisco de contas paradas, que não vão existir novamente. São de baixa contabilidade. Isso atrelado às decisões do STF de abrir créditos extraordinários faz com que o arcabouço fiscal não tenha sentido.”
Igor Lucena, economista, doutor em relações Internacionais e CEO da Amero Consulting
“É muito difícil crer que o arcabouço fiscal vá durar até o final do atual governo”, afirma, acrescentando que, inicialmente, o arcabouço fiscal poderia ter uma peculiaridade positiva se as receitas crescessem a ponto de superar as despesas, tendo a chamada diminuição do gap fiscal. Mas isso não está ocorrendo, muito pelo contrário. “Se o arcabouço não funciona e a nossa razão de dívida PIB aumenta, os investidores internacionais acreditam que o Brasil, no futuro, não vai ter capacidade de pagamento das contas públicas” – frisa.
O CEO da Amero Consulting observa que, tendo essa visão, juros maiores são cobrados na chamada curva de longa e “não estamos falando só da Selic”. Assim – explica – a curva longa aumenta, ficam mais caras as operações de crédito e ainda, pior que isso, passa a existir uma pressão no Banco Central do Brasil para aumentar a taxa básica da Selic, que é uma taxa de juros curta. “Assim, tudo fica mais caro e a atividade econômica diminui” – completa.
Igor Lucena entende que o ponto principal da gestão fiscal no Brasil é que, se não houver uma conscientização por parte dos municípios, estados e da União, de que não existe esta história de gastar mais do que arrecada no longo prazo, a vida do brasileiro mais pobre vai piorar ainda mais. E isso ocorre por um motivo muito simples: o aumento de gastos do governo é nitidamente o maior motor da inflação no Brasil, como sempre foi. É a questão da inflação inercial e para controlar a inflação o Brasil usa basicamente taxas de juros.
“O que a gente está assistindo, de uma maneira muito negativa, é que o ‘fiscal’ do Brasil está se deteriorando, ao ponto de que, em 2029, a gente não vai ter mais recursos para as chamadas despesas discricionárias. Então, o Presidente da República, se continuar do jeito que está, não importa quem seja, não vai resolver os problemas do Brasil. Não vai poder fazer nada. A gente pode chegar à razão de 100% da dívida PIB antes de 2038, que tá bem aí. Isso colocaria o Brasil em uma situação difícil, de manter as suas contas públicas em pé, sendo necessário cortes radicais na máquina pública, demissões, um nova Reforma da Previdência.”
Igor Lucena, economista, doutor em relações Internacionais e CEO da Amero Consulting
Para ele, o Brasil está vendo esse precipício acontecendo e não está fazendo nada. “Aí você diz: mas, tem outros países com razão dívida PIB bem maior, principalmente Europa, Estados Unidos. Tem, de fato. Mas, eles têm algo que é básico: moeda conversível. Todo mundo no mundo inteiro usa, investe em dólar, euro, libra ou iene. Nós, não. Nossa moeda não tem credibilidade. Ah, por que que não tem credibilidade? É uma síndrome de vira-lata? Não”.
A explicação para a falta de credibilidade é simples: os calotes frequentes dados pelo Brasil. “O fato de nos darmos calotes – e demos vários ao longo da história – torna o Brasil um país não confiável. Aliás, o Brasil deu um calote recente: nos precatórios, que é um calote do calote”. Diante dessa realidade, Lucena diz que é necessário que o país tenha as contas fiscais muito bem organizadas, pois, caso contrário, não é possível ir para frente, já que não existe país que se tornou desenvolvido sem ter um fiscal organizado.
Economista não acredita em déficit zero
Lucena enfatiza que o arcabouço fiscal está se mostrando ineficiente e que dificilmente o Brasil vai ter, seja em que governo for, déficit zero. Ele ressalta que, mesmo que historicamente o Brasil tenha déficit zero, o país está abrindo crédito extraordinário fora do orçamento, como, por exemplo, para combater as queimadas. “Isso aumenta a razão dívida PIB do mesmo jeito. Dinheiro é dinheiro, gasto é gasto, independente se está no orçamento, extra ou fora. Não tem muito sentido”, afirma.
O que mais chama a atenção de uma maneira negativa – adverte – é que todos os governos, sem exceção, estão aumentando gastos com contratação de gente, de equipamentos e ninguém está falando de eficiência. “Mas, se só contratar novos funcionários públicos, seja na saúde, na educação e aumentar a viatura e ambulância e carro de polícia resolvessem os problemas, o Brasil estava resolvido”.
Para concluir, Igor Lucena diz que está faltando planejamento. “O que está faltando é organização e muito mais eficiência dos recursos, que já existem, do que de fato aumentos de gastos públicos, que lá na frente vão se manter perpetuamente. E não necessariamente as receitas vão. Muito provavelmente não”.
Governo não tem seguido as próprias propostas do arcabouço fiscal
O presidente da Academia Cearense de Economia e professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Lauro Chaves Neto (foto), entende que o arcabouço fiscal ou qualquer outra regra que venha trazer a melhor gestão das contas públicas, não permitindo um endividamento excessivo, que venha a regular a questão da geração de déficit, será sempre muito bem-vinda. Essa regulação vai fazer com que passe a existir um melhor ambiente de negócios, uma melhor gestão das contas públicas.
“Assim, você consegue trabalhar melhor a política monetária, a política cambial e com isso você faz um melhor ambiente de negócios para o desenvolvimento da economia como um todo. O governo atual, que é o autor do arcabouço fiscal, não tem seguido as propostas de metas fiscais que ele mesmo propôs. E isso tem gerado incerteza e é ruim para a economia, para os investimentos.”
Lauro Chaves Neto, presidente da Academia Cearense de Economia
O economista e professor da UECE observa que atualmente a formação bruta de capital físico está muito baixa no Brasil. Ele informa que a taxa de investimento é, nos últimos anos, a menor da série histórica. E isso é preocupante, uma vez que é o investimento que produz o desenvolvimento na frente. “Então, é fundamental a questão de uma política de gestão fiscal, repito, que pode ser a Lei de Responsabilidade Fiscal, pode ser o teto de gastos, pode ser o arcabouço fiscal. O importante é que isso venha se somar, para você gerar recursos para implementar as políticas públicas necessárias” – finaliza.
Haddad: país vive momento de rearranjo das contas públicas
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em matéria publicada no jornal O Globo no último dia 18, afirmou que o arcabouço fiscal precisa ser cumprido, uma vez que temos que perseverar nessa toada até reestabilizar as finanças. “Porque o Brasil só tem a ganhar, vamos voltar a crescer acima da média mundial depois de dez anos crescendo abaixo da média mundial. Não tem sentido um país com tantas oportunidades crescer abaixo da média mundial”.
E para cumprir as regras do arcabouço fiscal e preservar a meta de déficit zero das despesas públicas prevista para o fim do ano, o governo anunciou em julho, o bloqueio de R$ 11,2 bilhões e o contingenciamento de R$ 3,8 bilhões no Orçamento de 2024. “Penso que estamos entrando em um entendimento que precisamos sair dessa mania de produzir os déficits que foram produzidos nos últimos 10 anos. Os déficits foram acompanhados de baixo crescimento e, pior do que isso, baixa qualidade do crescimento” — declarou Haddad.
Segundo Haddad, o Brasil vive um momento de arranjo das contas públicas, que viveram situação de desordem na última década. “Tivemos 10 anos de muita turbulência no Brasil, um desarranjo completo das contas públicas que estão sendo colocadas em ordem, com muita dificuldade, mas com muita negociação, tanto com judiciário, quanto com o Congresso Nacional” — afirmou Haddad. (Fonte: O Globo).
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