As taxas de juros subiram desde que o Governo publicou suas novas estimativas para receita e despesa deste ano. O mercado passou a projetar juros acima de 12% pelos próximos dez anos, o que nos leva a um juro real de pelo menos 8% ao ano. Nenhum País do mundo consegue pagar uma taxa tão alta por um período tão longo. A inflação voltaria.
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A abertura das taxas aconteceu mesmo depois da entrevista de secretários da Fazenda e do Planejamento para explicar o relatório bimestral de setembro, divulgado na sexta-feira. O mercado está reagindo de forma muito clara à incerteza em relação às regras fiscais.
“A desconfiança em relação ao arcabouço fiscal está aumentando, independentemente do cumprimento da meta de primário e do arcabouço neste ano,” o economista-chefe do BTG, Mansueto Almeida, disse ao Brazil Journal.
Para Mansueto, o governo parece não perceber a gravidade da situação. A Fazenda pensava que o mercado reagiria de forma positiva ao relatório de receita e despesa, o que não aconteceu.
“O mercado reagiu de forma bastante negativa, em especial ao fato de o Governo aumentar a projeção do déficit primário e descontingenciar R$ 1,7 bilhão.”
Embora a liberação desse valor seja pequena diante de uma despesa (sem juros) projetada neste ano de R$ 2,24 trilhões, o sinal assustou analistas diante do risco de frustração de algumas receitas projetadas para o último trimestre do ano.
O fato é que o mercado passou a dar maior peso à questão estrutural das contas públicas. A dúvida é como o Governo conseguirá cumprir o limite de 2,5% para o crescimento da despesa primária nos próximos dois anos, ao mesmo tempo em que está contratado um ritmo de crescimento para despesas obrigatórias muito acima desse valor, o que significa corte de investimento público em 2026, o ano da próxima eleição presidencial.
O que o Governo vai fazer? Vai mudar o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias ou vai tentar algum truque fiscal como foi o projeto de lei enviado há menos de um mês para o Congresso, que criava o auxílio-gás fora do Orçamento?
O governo deveria fazer mudanças que sinalizem um crescimento menor das despesas obrigatórias nos próximos anos. O ideal seria começar a discutir essas mudanças no final deste ano para aprová-las no primeiro semestre de 2025, antes do envio do orçamento de 2026 para o Congresso em agosto do próximo ano, já com as novas regras.
Sem a sinalização dessas mudanças, os analistas sempre questionarão se o Governo cumprirá as regras fiscais até o final de 2026, e muitos vão antecipar tentativas de mudança nas regras no segundo semestre de 2025 ou mesmo em 2026.
Nesta terça-feira o mercado melhorou. O que aconteceu?
Essa melhora do mercado foi efeito do pacote de estímulo na China, que pode impactar favoravelmente os preços de commodities. Mais expansão na China anima a aposta nos países emergentes, em especial os exportadores de commodities.
Mas o preço dos ativos no Brasil este ano ainda continua muito ruim dada a incerteza do cumprimento das regras fiscais e uma dependência excessiva de receitas incertas e de difícil previsão para entregar o primário nos próximos anos.
Vamos lembrar que o Real está competindo com o peso argentino, o peso mexicano e a lira turca para ver qual é a pior moeda do ano. O Brasil nunca teve contas externas tão sólidas – então, o que explica a forte desvalorização do Real e o aumento da curva de juros? A percepção de um risco fiscal maior, ou seja, que a expansão do gasto público total será muito superior a 2,5% ao ano, e que a inflação será mais elevada do que a projetada hoje na pesquisa Focus do Banco Central.
O novo arcabouço fiscal e as metas de primário não são mais suficientes para dar confiança aos investidores sobre o equilíbrio das contas públicas?
As metas de primário foram reduzidas, e a meta de primário “zero” neste e no próximo ano significa, na verdade, um déficit primário de R$ 68 bilhões este ano e de pelo menos R$ 40 bilhões no próximo, quando se computam despesas que impactam o crescimento da dívida mas não entram na meta de primário oficial.
Até mesmo a pequena economia que o Governo estabeleceu para o seu último ano – um superávit primário de 0,25% do PIB – pode ser na verdade um déficit primário “zero”.
O problema é que déficits primários sucessivos e juros altos significam uma coisa: crescimento mais rápido da dívida pública e maior risco fiscal. E o País não vai pra frente.
Mas nas projeções do Governo, o superávit primário cresce e alcança 1% do PIB em 2028 e continua crescendo até estabilizar a dívida. Por que o mercado não acredita nessas projeções?
Porque o próprio Governo nos mostrou no primeiro semestre que tanto as vinculações dos gastos com saúde e educação ao crescimento da receita quanto o ritmo atual do crescimento da despesa da Previdência e de alguns programas sociais não são compatíveis com o teto de 2,5% de crescimento das despesas primárias, pois as despesas que não são obrigatórias teriam que ser reduzidas a “zero” logo no início do próximo mandato presidencial para que a totalidade das despesas não furassem o teto.
Deixa eu ser mais claro: para funcionar, o arcabouço fiscal precisa de ajustes para que seja possível observar o limite de crescimento de 2,5% da despesa sem juros do governo sem que seja necessário “zerar” o investimento público.
A única forma de salvar os recursos do PAC é se o governo conseguir reduzir o ritmo de crescimento das despesas obrigatórias.
E se o Governo alterasse o limite de crescimento real da despesa de 2,5% para 3,5%? Como o mercado reagiria? Seria uma solução, ou criaríamos um novo problema?
Seria um verdadeiro desastre e teríamos um cenário de risco tão agudo que poderia nos levar a um cenário de inflação crescente e cada vez mais longe da meta.
Deixa eu tentar explicar de uma forma mais clara o nosso problema fiscal. No segundo governo Lula – de 2007 a 2010 – com o boom de commodities e com a China crescendo 10% ao ano, o recorde de arrecadação do governo federal foi 19% do PIB para uma despesa (sem juros) que era 17% do PIB. Sobrava 2% do PIB, mais de R$ 200 bilhões a valores de hoje, para pagar juros e reduzir a dívida. Hoje não sobra nada!
Mesmo que o governo volte a ter uma arrecadação líquida de 19% do PIB nos próximos anos, a despesa programada para os próximos dois anos é um pouco acima desse valor e, assim, teremos déficit primário.
O nosso drama hoje é que, mesmo o nível recorde de receita que tínhamos quando a economia crescia 4% ao ano e estávamos no boom de commodities, hoje não seria suficiente para cobrir as despesas.
Como alguém pode pensar em relaxar mais ainda o crescimento da despesa nesse cenário?
Ou o Brasil revê as despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias, ou não vamos sair deste impasse. Não tem mágica. O remédio pode até ser impopular no curtíssimo prazo, mas gera benefícios dividendos políticos no médio prazo, com inflação baixa, juro baixo e mais crescimento.
O Governo coloca como uma de suas metas recuperar o grau de investimento, e duas agências de classificação de risco melhoraram a nota do Brasil no ano passado. Podemos esperar a recuperação do grau de investimento nos próximos anos?
Só vamos recuperar o grau de investimento quando conseguirmos responder a seguinte pergunta: quando a dívida pública do Brasil (% do PIB) entra em uma clara trajetória de queda? Em que ano?
Hoje ninguém consegue responder a essa pergunta, porque para termos uma queda (mesmo que gradual da despesa do governo ao longo dos anos) e voltarmos a resultados primários positivos que coloquem a dívida em trajetória de queda, temos antes que controlar o crescimento das despesas obrigatórias e tornar o arcabouço fiscal consistente.
Dado que é tão importante controlar o crescimento das despesas obrigatórias, o que o Governo e Congresso deveriam fazer? Quais programas sociais poderiam ser reformulados?
Hoje o Brasil está com o menor desemprego em dez anos, com crescimento da renda real dos trabalhadores. Uma taxa de desemprego de 6,8% é quase pleno emprego.
Aí eu pergunto: como é que o gasto com seguro-desemprego está aumentando em meio a um cenário desse? Em uma situação tão positiva do mercado de trabalho, não seria mais fácil controlar o crescimento de alguns programas sociais?
Será que o piso de alguns programas sociais tem que ser o mesmo piso da Previdência, que é de um salário mínimo?
Uma coisa que o Governo também deve evitar é a criação de novas despesas obrigatórias ou mudanças que levem a uma forte redução da arrecadação. Um dos temas que mais assusta o mercado é a possibilidade de elevação da faixa de isenção do imposto de renda para R$ 5.000, porque um aumento tão elevado na faixa de isenção teria um custo muito alto e difícil de compensar.
Para quem observa de perto o quadro fiscal e leva em conta a conjuntura do País, está muito claro o que precisamos fazer. Agora temos que ver se o Executivo e o Congresso encontram a vontade política para agir – até para evitar uma deterioração maior deste quadro.
E se não agirem?
(silêncio)
Fonte: Brazil Journal
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