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Para Álamo, o tráfico de fósseis é um crime grave que delapida o patrimônio local e causa um grande prejuízo para a humanidade. (Foto: Arquivo pessoal)

Conheça a história de Álamo Saraiva, professor “made in Ceará” homenageado com prêmio inédito de Paleontologia

Por: Kérlya Chaves | Em:
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O Ceará é terra de gente inteligente, resiliente e batalhadora. Berço de grandes talentos da literatura, da cultura e do humor, o estado nordestino também celebra a ciência e o ativismo pela preservação da sua história.


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Natural do Crato, Antônio Álamo Feitosa Saraiva não usa capa, como nos quadrinhos, mas se tornou um “herói cearense” pela sua contribuição científica no ramo da Paleontologia e também por lutar contra o tráfico de fósseis na Chapada do Araripe.

Recentemente, o professor da Universidade Regional do Cariri (URCA) foi homenageado com o prêmio Morris F. Skinner, da Sociedade de Paleontologia de Vertebrados (SVP, em inglês). A honraria, inédita no Brasil, é conhecida como o “Oscar da Paleontologia” e é concedida àqueles que fizeram contribuições relevantes para construção de conhecimento científico. A cerimônia de entrega do prêmio acontecerá no dia 2 de novembro, em Minneapolis, Estados Unidos.

O sonho de Álamo

“Um sonho de adolescente”. Foi assim que Álamo Saraiva definiu o início do seu interesse pela Paleontologia. A jornada não foi fácil, os desafios foram muitos, as dúvidas e as incertezas sobre qual caminho seguir no início da vida acadêmica quase o fizeram tomar outros rumos, mas os obstáculos não foram suficientes para fazê-lo desistir do seu objetivo.

Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Regional do Cariri (URCA) e com diversas especializações, dentre elas um doutorado em Oceanografia, Álamo Saraiva está, hoje, à frente da Coordenação do Laboratório de Paleontologia da URCA, da Curadoria do Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens e também exerce o cargo de professor associado da URCA. Além disso, Álamo atua há mais de 25 anos como pesquisador de campo, na escavação e descrição de fósseis da Bacia do Araripe, e como ativista no combate ao comércio ilegal de fósseis.

Do menino curioso, que fazia coleção de insetos e conchas, a pioneiro em escavações paleontológicas na Bacia do Araripe e, mais recentemente, professor premiado. E não é qualquer prêmio, não! Aos 63 anos, Álamo foi escolhido pela Sociedade de Paleontologia de Vertebrados, dentre vários profissionais do mundo inteiro, como vencedor do prêmio Morris F. Skinner, o “Oscar da Paleontologia”. A honraria é concedida à profissionais notáveis pelas suas contribuições relevantes para o conhecimento científico na área. Como se já não bastasse a relevância de um prêmio internacional, o professor da URCA também se consagra como o primeiro brasileiro a ser homenageado pela SVP.

Em entrevista exclusiva ao portal TRENDS, Álamo conta, em detalhes, o início da sua carreira, os desafios, o impacto do seu trabalho na história mundial e sua luta contra o tráfico de fósseis.

TRENDS: Professor Álamo, como surgiu o interesse pela paleontologia?

Álamo Saraiva: O interesse pela Paleontologia surgiu desde quando eu era adolescente. Eu era aquele menino curioso, que fazia coleção de insetos, de conchas, que gostava de procurar animais. Esse foi o meu despertar, de certa forma. Na vida universitária, eu continuei com essa mesma vertente, mas tive certas dúvidas sobre para onde ir, se ia para a Zoologia, para Ecologia, para Botânica. Eu não sabia bem o que queria. Depois de decidir, já dentro da vida acadêmica, eu tive um mentor, o professor Plácido, quefoi devagarinho me puxando para a Paleontologia. E quando eu me dei conta, já estava envolvido, escrevendo trabalhos, discutindo com pesquisadores de fora. Desde aquele tempo até hoje eu nunca mais parei.

Professor Álamo Saraiva em campo. (Foto: Arquivo pessoal)

T: Quais foram os maiores desafios que o senhor enfrentou ao longo da sua carreira na paleontologia e como essas barreiras moldaram o seu trabalho e as suas conquistas?

AS: As dificuldades foram muitas. Na época, a universidade era recém-criada e sem estrutura nenhuma, sem laboratórios, sem financiamento, sem dinheiro para pesquisas de campo e não tínhamos quase ninguém com titulação necessária para conseguir a aprovação de projetos. Então, o desafio foi conseguir ir para campo, ter como prospectar áreas e escavar. Porém, essa dificuldade, no fim, foi uma coisa boa, porque eu aprendi a escavar, a ensinar, a coordenar equipes, a abrir concreções e também tive que estudar a sistemática de basicamente todos os grupos fósseis da Bacia do Araripe. Isso deu muito trabalho e atrasou a pesquisa, mas, por outro lado, essas dificuldades me fizeram um paleontólogo muito melhor.

T: O senhor tem sido uma voz ativa na luta contra o tráfico de fósseis. Quais foram os principais fatores que motivaram sua pesquisa?

AS: A luta contra o tráfico de fósseis foi muito espinhosa. Quem me sensibilizou para essa causa foi o meu mentor, o professor Plácido Cidade Nuvens, na época vice-reitor e depois reitor da Universidade Regional do Cariri. Ele falava sobre a importância do fóssil, do porquê esse material tinha que ficar no Cariri e porquê eles não deveriam sair daqui para museus de fora, tanto para o Sul e Sudeste do Brasil, como também para o exterior. Ele dizia que a gente tinha que combater essa “sangria desatada”. E foi em torno disso que a gente começou essa “descolonização” da ciência da Paleontologia e da Arqueologia brasileira. Não é fácil remar contra a maré, porque você está indo contra o dinheiro, o peso e o nome das instituições mais robustas, seja no exterior, seja aqui no próprio Brasil.

Se a gente fala hoje que o tráfico de fósseis é danoso para o Cariri ou que a saída do nosso material científico-cultural é danosa para a região, todos concordam e sabem o porquê. Mas a voz gritante há 20, 30 anos, quando eu comecei, é que a gente devia brigar para legalizar a saída dos fósseis, que a gente tinha que ganhar dinheiro vendendo e exportando fósseis para grandes centros e para quem se interessasse por esse material, porque aqui ninguém sabia o que era e não valorizava da forma adequada.

Para transformarmos essa realidade, criamos uma mudança de mentalidade na região, onde convencemos o povo caririense que o fóssil deveria ficar aqui. Esse material cria uma identidade cultural, ajuda a formar as novas gerações e traz dividendos através do turismo científico e de aventura. E assim conseguimos desenvolver mais esse potencial ímpar que o Cariri tem.

T: De que forma essa repatriação de fósseis pode impactar o avanço científico e cultural no Brasil e no Ceará?

AS: Existem várias facetas que devem ser observadas sobre a questão da repatriação. A primeira delas é que esse material pertence à região da Bacia do Araripe, do Cariri. Isso, por si só, já bastava, mas ainda tem um detalhe: o Cariri é um lugar que precisa ter vários eixos para o seu desenvolvimento sustentável e o fóssil é apenas um deles. Nós temos uma das biodiversidades mais ricas do Brasil, e para que a gente forme a próxima geração, a gente tem que ter o que mostrar. Então, a gente começa mostrando o que é nosso. E é isso que esse patrimônio cultural brasileiro e da região do Cariri tem. Quando falo sobre repatriações, quero dizer que, preferencialmente, essas peças têm que vir para a região do Cariri, senão que venha para o Brasil, como manda a lei. Bem ou mal, nós temos uma lei, e a lei tem que ser seguida.

T: Que tipo de prejuízos o tráfico ilegal de fósseis traz para a ciência e a pesquisa paleontológica?

AS: Não conheço um tráfico que seja benéfico. Mas o tráfico de fósseis delapida o que é nosso. Imagina que você tenha uma casa e alguém, furtivamente, pula o muro à noite e leva algo seu. Pode ser uma coisa muito simples, desde uma roupa até um carro. Aí vem a pergunta: “ah, mas ele levou pouca coisa, só uma roupa do varal”, isso lhe causa, de alguma forma, um prejuízo. Já o tráfico vai, sistematicamente, nos enfraquecendo. E quando é de um material único no planeta Terra, mais grave é esse crime. Ele tira coisas que a gente não tem como substituir. Se roubam um carro, você pode comprar outro. Se roubam uma roupa do varal, você pode comprar uma roupa nova. Mas se roubam uma espécie fóssil, um holótipo, um parátipo, como os encontrados na Bacia do Araripe e que hoje estão na Alemanha, nos Estados Unidos e no Japão, essa coisa não tem como ser reposta. Esse é o grande prejuízo. Essas peças, embora no Cariri sejam abundantes, são únicas.

T: A Bacia do Araripe é conhecida por sua importância geológica. Qual é o papel dessa região na paleontologia mundial, e o que a torna tão única para a preservação de fósseis?

AS: Para se ter uma ideia, a Bacia do Araripe disputa, junto com Solnhofen, na Alemanha, e as camadas de Jishou, na China, quem das três é a mais importante. Claro que todas são igualmente relevantes, mas a Bacia do Araripe tem uma diversidade biológica muito grande em termos de espécies fósseis e material. A excelência da preservação, a diversidade de grupos biológicos e a situação especial dos fósseis são os fatores principais que tornam essa bacia tão importante para a humanidade.

T: Como a repatriação de fósseis pode impactar a economia do estado do Ceará? A preservação e o estudo dos fósseis poderiam criar novas oportunidades para o turismo científico ou educativo na região?

AS: A repatriação de fósseis é uma coisa que, quer queira ou não, tem que acontecer. Mas essa mudança só vai se concretizar se os nossos governantes tiverem essa ideia como prioridade. Nós precisamos também de universidades e museus com aparato técnico, não só de pessoal, mas também de aparelhos de uma forma geral, para que se tenha condições de descobrir fósseis novos. O ganho em termos de turismo é inigualável. Para a gente ter uma ideia da importância do que é o fóssil, do que é ter um patrimônio preservado, vou trazer um exemplo aqui: o Brasil recebe 8 milhões de visitantes, em média, por ano, de turistas estrangeiros. O turismo interno é grande, mas não o suficiente diante do potencial que nós temos. Se a gente comparar isso ao Museu de História Natural de Nova Iorque, que recebe 5 milhões de visitantes por ano, temos um pouco mais da metade do que todo o Brasil recebe de estrangeiros. Isso é um potencial que diz, se nós tivermos o que mostrar, tem gente ávida para ver. E a gente tem que aprender a tirar proveito disso.

Álamo Saraiva com exemplares de fósseis. (Foto: Arquivo pessoal)

T: Falando agora sobre o prêmio Morris F. Skinner, qual a importância dele para você e para a comunidade científica cearense?

AS: Recebo esse prêmio com grande surpresa, porque o primeiro a recebê-lo da academia foi o próprio Morris Skinner. A colaboração que ele deu para a Paleontologia foi tão grande que depois de um tempo o prêmio passou a levar o nome dele. E receber essa comenda, pra mim, não tem preço, porque nós que fazemos parte desse grupo temos muito apreço pelos grandes nomes, e o Skinner, sem dúvidas, foi um dos maiores em toda a história da Paleontologia mundial. Ressalto, ainda, que esse prêmio não é só meu, é de toda a equipe. Durante anos trabalhamos em colaboração com vários pesquisadores em busca de desvendar o passado para construir um futuro melhor para as novas gerações que estão vindo.

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