Lockdowns decorrentes da pandemia de Covid-19 acenderam alertas mundiais sobre a dependência do fornecimento externo de semicondutores que alimentam as indústrias em geral no Planeta, especialmente a automotiva, da tecnologia da informação e de eletrônicos para o entretenimento e para a comunicação. O problema também alcança a logística de transporte. Somente a China tem sete dos 10 maiores portos do mundo por onde escoa a produção. A mesma China que avança na fabricação local em direção ao pódio, ocupado por Taiwan, com participação de 50%, seguida por Coreia do Sul, Cingapura e Indonésia. O que esperar, então, no caso de um embargo por questões geopolíticas com as atuais e prolongadas guerras?
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Fabricar os próprios circuitos eletrônicos sempre foi uma questão de soberania nacional, uma realidade que ficou escancarada com os episódios mais recentes. O mundo (e o mais desenvolvido, em particular) já sabe disto e fortalece ainda mais sua presença para atender as demandas que crescem exponencialmente.
A Comissão Europeia, por exemplo, anunciou aportes de US$ 47 bilhões na indústria de semicondutores para a próxima década. Nos EUA, os investimentos em pesquisa, desenvolvimento e produção locais passam de US$ 200 bilhões em cinco anos. A Coreia do Sul aprovou o projeto L-Chips Act, que dá isenção fiscal para estimular o setor nacional.
O Brasil – que importa 92% do que consome – busca um lugar nesta corrida estratégica. São 20 empresas, mais concentradas no Sul e Sudeste, mas com bons núcleos de conhecimento no Nordeste, em especial no Ceará, somando investimentos da ordem de R$ 58 bilhões.
Rogério Nunes (foto), presidente da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), demonstra otimismo num horizonte de médio e longo prazos e estima que o segmento brasileiro pode sair de uma movimentação de negócios de US$ 1,0 bilhão neste ano de 2024 para US$ 15 bilhões até 2033. O caminho, a seu ver, será o da interdependência para evitar a ruptura mundial nas cadeias de fornecimento hoje em mãos do continente asiático. “Trabalhamos para reduzir o risco global”, comenta ele.
Para a Abisemi, é fundamental que o Brasil seja um player em circuitos eletrônicos, comprando ou vendendo, e que crie um ambiente adequado e seguro para atrair plantas de fora, especialmente da Ásia. Neste sentido, o presidente da entidade entende que há uma série de fatores que credenciam o Brasil a ganhar posição. Além da energia disponível, a legislação está andando junto com o desejo de seus agentes para equilibrar este mercado. Rogério Nunes refere-se, em particular, à Lei da Informática, ao Programa Brasil Semicon (Lei 14.968/24), à Lei 11.484/07, que instituiu o Padis, um programa para a produção de semicondutores e, ainda, à reforma tributária em curso que poderá ampliar os benefícios ao segmento.
“A prorrogação da concessão de incentivos para 2026 foi um acerto do governo na promoção do setor que já se articula para uma nova prorrogação para 2073”, afirma Nunes, certo de que a medida configuraria uma boa base de uma política de longo prazo esperada pelos investidores.
Também CEO da Zilia Technologies, fabricante de chips, ele aposta no avanço do Brasil em semicondutores pela porta do encapsulamento e teste, onde seis empresas já atuam. E neste, aponta o armazenamento de dados como altamente promissor.
O mercado mundial de semicondutores é o segundo maior do mundo, depois de óleo/gás, com faturamento de US$ 600 bilhões somente com a venda de produtos. Se considerar máquinas e equipamentos, acrescenta-se US$ 150 bilhões e outros US$ 150 bilhões são agregados com a inclusão de materiais específicos como gases, substratos e ligas metálicas perfazendo US$ 1,0 trilhão ao envolver também os softwares.
Igualmente é o segundo em investimentos em pesquisa e desenvolvimento (US$ 100 bilhões), perdendo apenas para a indústria farmacêutica. “Os EUA concentram 40% de todo valor agregado”, observa o executivo da Abisemi, lembrando, entretanto, que quem fabrica é a Ásia, atendendo 70% do consumo mundial.
O tema de casa começou a ser feito. Para um maior avanço, entretanto, a expectativa é de sinalização clara de uma política nacional de incentivos que atraia investimentos. Para o superintendente de Política Industrial da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Fabrício Silveira (foto), o Brasil tem potencial dentro de um cenário bastante favorável que envolve abundância de energia originada de uma matriz limpa.
Também dispõe de uma área mineral fértil. Tem uma população diversificada e aberta a inovações. E caminha a passos largos para a consolidação de uma base de dados (Big Data) que permitirá maior agilidade no processo de digitalização, turbinada pela inteligência artificial.
“Já contamos com o agronegócio bem-sucedido integrado aos novos processos, com soluções específicas desenvolvidas no Brasil”, lembra ele, certo de que o setor industrial, que busca a reindustrialização, precisa seguir este modelo. “Temos que atuar nos nichos dentro do grande complexo de produção de chips, em especial nos setores já consolidados”, afirma Fabrício Silveira.
Em sua análise, ele não espera que o Brasil seja um player mundial de destaque em semicondutores, mas que o futuro pode ser promissor se o País clarificar sua política com relação à promoção do setor envolvendo questões como a criação de uma estratégia de Estado que promova capacitação, retenção de talentos, pesquisa e desenvolvimento, além de incentivos fiscais.
A propósito, a busca por reduzir a dependência de importação de semicondutores está no radar da CNI, em parceria com o governo, que em setembro deste ano anunciou a Missão 4 para enfrentar o desafio de fortalecer as cadeias produtivas de semicondutores, robôs industriais e produtos e serviços avançados. O esforço demandará investimentos totais públicos e privados de R$ 186,6 bilhões, começando pela fabricação de chips, fibras óticas, robôs, instalação de datacenters e computação em nuvem, otimização de processos industriais, telecomunicação, eletromobilidade, desenvolvimento de softwares e implantação de redes de infraestrutura, entre outras áreas.
Willyan Hasenkamp (foto), diretor de Tecnologia Avançada e Relações Institucionais da HT Micron, concorda que é preciso aumentar a resiliência e a complementariedade das cadeias produtivas, criando desafios e oportunidades para países como o Brasil. “A produção local de semicondutores não só garante a soberania e segurança tecnológica e econômica, mas é essencial para a expansão de tecnologias emergentes, incluindo a Internet das Coisas (IoT), inteligência artificial e redes 5G”. Destacou que a transição para uma economia verde e sustentável depende fortemente da disponibilidade e inovação nos semicondutores, sendo o conhecimento tecnológico e produtivo um dos principais ativos das maiores economias mundiais.
O diretor da HT Micron reconhece que a produção brasileira de semicondutores é limitada, mas o contexto global apresenta oportunidade de adensar essa cadeia e estimular o crescimento econômico e social. A própria HT Micron Semicondutores S.A, fundada em 2009, é resultado de uma parceria entre investidores brasileiros e sul-coreanos, incluindo a Hana Micron. Localizada no Parque Tecnológico Tecnosinos, em São Leopoldo (RS), a HT Micron é especializada no encapsulamento e teste de circuitos integrados. Oferece serviços de OSAT (Outsourced Semiconductor Assembly and Test) para cadeias globais e foi responsável pelo desenvolvimento dos primeiros chips de IoT no País, já exportados para mais de 32 países, sendo Estados Unidos e Europa os principais destinos.
Como fabricante, Willyan Hasenkamp vivencia obstáculos significativos, principalmente relacionados a processos burocráticos que dificultam negócios, aumentam os custos operacionais, reduzem a competitividade e restringem o acesso a mercados internacionais por carência de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, infraestrutura avançada e formação de mão de obra especializada.
A par dos riscos, as oportunidades são promissoras para o Brasil, na visão da HT Micron, principalmente a partir da promulgação do Programa Brasil Semicon pelo governo federal. O aumento da demanda por dispositivos eletrônicos, a crescente digitalização da economia, iniciativas governamentais voltadas à inovação, o advento da inteligência artificial e a necessidade de promover uma economia verde e desenvolvimento sustentável criam um ambiente bastante propício. Parcerias entre empresas, universidades e centros de pesquisa podem impulsionar a capacitação tecnológica e a competitividade internacional. Programas de incentivo abrangentes, pragmáticos e de longo prazo, associados a investimentos em educação em todos os níveis, são fundamentais para fortalecer o setor.
Ao olhar para o futuro, o que Hasenkamp enxerga é o aumento contínuo na demanda por semicondutores, impulsionado por tecnologias emergentes e pela transição energética global. “O Brasil tem a oportunidade de se posicionar como um player relevante ao investir em inovação, capacitação e políticas de incentivo”, afirma. E acrescenta que a integração nas cadeias globais de valor e o fortalecimento da produção local podem trazer benefícios econômicos e sociais significativos, além de maior autonomia tecnológica.
Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A (CEITEC) é uma estatal, sediada em Porto Alegre (RS), que até 2020 havia produzido mais de 245 milhões de chips e dispositivos, 2,4 milhões de etiquetas eletrônicas e 45 patentes foram depositadas. Em 2021 a empresa foi fechada pelo governo vigente e retomada em novembro de 2023, pelo atual governo, para participar do esforço nacional de desenvolvimento de uma indústria de semicondutores e do adensamento da cadeia produtiva.
Em seu Plano de Negócio, a empresa pretende retomar alguns produtos do portfólio anterior e ampliará sua atuação para semicondutores de potência, baseados em carbeto de silício, que mantém as propriedades de semicondutores e de isolantes que garantem o funcionamento dos circuitos integrados. Com este direcionamento, a empresa foca no potente mercado de eletrificação veicular, de energia limpa (fotovoltaica e eólica) e na indústria de motores elétricos que tem a WEG como referência, a maior da América Latina e uma das maiores do mundo.
Para Augusto Gadelha (foto), presidente do CEITEC, os desafios são enormes para recuperar as perdas da paralisação de três anos. A começar pelos recursos. Confiante, ele acredita que em 2025 será possível retomar a operação dentro da perspectiva de serem alocados recursos da ordem de R$ 200 a R$ 300 milhões para a importação e instalação de máquinas a serem agregadas ao parque já existente. “Se tivéssemos que começar do zero, a necessidade de investimentos seria da ordem de R$ 1,0 bilhão”, assegura ele.
Outro obstáculo a ser enfrentado pelo CEITEC em seu retorno ao mercado envolve a contratação de recursos humanos, especialmente de alto nível, que se realocaram em outras empresas dentro e fora do País. Por se tratar de uma estatal, a contratação está sujeita a concurso público e tem ainda a limitação de salários.
“Precisamos do entusiasmo do Brasil para se posicionar entre as 10 maiores potências mundiais que estão protegendo sua soberania tecnológica a partir da fabricação local de semicondutores”, finaliza o presidente Gadelha.
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