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Com meio século de relações diplomáticas, Brasil e China podem ampliar negócios em diferentes áreas, especialmente em energias renováveis e biocombustíveis. (Foto: Arquivo pessoal)

Expedito Parente Júnior: “Brasil e China podem liderar a revolução verde com energias renováveis e biocombustíveis”

Por: Gladis Berlato | Em:
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Em entrevista exclusiva ao Portal TRENDS, o consultor Expedito Parente Júnior, CEO da NexBio Consultoria, compartilha seu olhar analítico sobre a potência econômica chamada China, seu fôlego para o continuado crescimento que dá inveja ao mundo, os impactos nos demais continentes e as oportunidades de negócios e trocas de conhecimentos com o Brasil.


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Para quem tem seus passaportes com inúmeros carimbos de entradas e saídas da China desde 2018, o Head de Combustíveis Renováveis da OBPI Participações demonstra grande otimismo com o futuro das relações comerciais e de cooperação mútua entre os dois países que cultivam uma longa trajetória de parceria. Também pesquisador da Rede Verdes, coordenada pela Universidade Federal do Ceará, ele relata aqui a sua experiência na expectativa de que o Brasil e o Ceará possam continuar explorando cada vez mais as infinitas oportunidades. Com meio século de relações diplomáticas, Brasil e China podem ampliar negócios em diferentes áreas, especialmente em energias renováveis e biocombustíveis.

TRENDS: Por que os chineses crescem tanto e causam inveja ao mundo?

Expedido Parente Júnior: Há 30, 35 anos, a China estava numa situação social e também de produtividade econômica muito aquém do que o Brasil estava, e ela conseguiu dar a volta por cima. Se olharmos o histórico de planejamento, desenvolvimento econômico e social chinês, parte desse processo tem um elemento muito forte voltado para a indústria do conhecimento, para a economia da inovação. E de fato hoje a China tem desenvolvido modelos de inovação inovadores. Os chineses estão inovando a inovação e onde há uma presença muito forte da iniciativa privada evidentemente, com toda a sua capacidade de investimento e a sua compreensão de onde estão os principais fatores de competitividade, mas também um forte apoio de um estado empreendedor. Veja a ousadia de uma universidade estatal, a Tsinghua University, uma universidade pública, ter empreendido numa holding e que se transformou em uma gigante de 30 bilhões de dólares em ativos, presente em mais de 800 empresas, 35 delas tendo chegado a um IPO, ou seja, estão presentes na bolsa de valores, gerando dividendos anuais da ordem de 20 bilhões de reais (já convertidos). Realmente é um modelo muito arrojado de inovação.

TRENDS: É um exemplo isolado?

Expedito Parente Júnior: Existem outros exemplos. Outro instituto em que a Universidade de Tsinghua é sócia é a Sionista, que é o SI Instituto de Tecnologia Aplicada, em que ela é sócia junto com a Prefeitura de Wuxi. Wuxi é a cidade de maior PIB per capita, dentre as grandes cidades chinesas. E elas são sócias, ou seja, o vice-prefeito da cidade e o vice-reitor de inovação da Tsinghua são presidentes do conselho de administração. Ali eles têm um modelo de inovação extremamente eficiente, gerando patentes. A cada um milhão de reais, já convertendo para real, eles geram uma patente. E é um modelo extremamente líquido, com alta liquidez. Como está focado no território de Wuxi, aquele desenvolvimento já rapidamente significa aumento de arrecadação, de maneira que hoje a prefeitura tem arrecadado quatro vezes mais do que investiu, ou seja, do que ela investiu nos últimos anos. Em 10 anos, ela tem arrecadado 4 vezes mais por ano. Esta é a rentabilidade do investimento da inovação.

TRENDS: Dentro desta realidade, qual a sua recomendação ao Brasil?

Expedito Parente Júnior: Então, além da minha atuação na área de biocombustíveis, algo que faço nos últimos 25 anos, tenho tentado colaborar em atrair esses modelos de inovação aqui para o Ceará. Eu realmente tenho convicção da importância desse modelo e do papel da inovação nesse salto que o Ceará precisa dar. O Ceará, por sua vez, tem um PIB per capita metade do Brasil. A gente gera metade da riqueza que um brasileiro médio gera, o que faz com que a gente tenha dificuldade no combate à pobreza. Não à toa, há um percentual muito grande de famílias abaixo da linha de pobreza no Ceará, desproporcional à participação na população brasileira. Então, se a gente quer realmente ser um Estado rico, e a gente quer, a gente precisa dar um salto, a gente precisa modificar o modelo de desenvolvimento, não apenas crescer, mas sim inflexionar. E o mundo já aprendeu que a inovação é um ingrediente fundamental nesse processo.

TRENDS: Quais as vantagens competitivas do Brasil para avançar na parceria comercial com a China? Em quais setores nacional e cearense?

Expedito Parente Júnior: Eu tenho me relacionado com algumas instituições chinesas desde 2018. Inicialmente como contratado como consultor por interessados em desenvolver negócios na área de biocombustíveis no Brasil e isso evoluiu para uma parceria em negócios e também para algumas atividades acadêmicas. Tenho um relacionamento muito próximo com o professor Liu Dehua, do Departamento da Área Química da Tsinghua University, que é a maior universidade chinesa e também da Ásia. Eles desenvolveram um processo inovador de produção de biodiesel por uma rota enzimática, uma rota biotecnológica que tem uma série de vantagens comparadas com os processos tradicionais. Isso no intuito de tornar o biodiesel cada vez mais competitivo. Mais limpo e mais verde.

TRENDS: Qual foi a maior lição trazida desta imersão? Alguma política em especial? Algum setor que possa servir de inspiração?

Expedito Parente Júnior: A Tsinghua University, ainda muitos anos atrás, criou uma holding, chamada TUS Holding, que desenvolve negócios a partir das tecnologias desenvolvidas na universidade. E dentro dessa TUS Holding, tem uma empresa que foi criada há já alguns anos, dedicada à exploração dessa tecnologia de biodiesel mundo afora. Através dessa empresa, eu tenho trabalhado com eles aqui no Brasil.

TRENDS: Como o tema sai do âmbito acadêmico para ganhar o mercado?

Expedito Parente Júnior: No âmbito acadêmico, eu tenho colaborado com o grupo de pesquisa do professor Liu Dehua, que tem uma participação muito importante, não só no âmbito acadêmico, mas também na própria formulação de política pública na China, promovendo os biocombustíveis. E como chairman do Centro Brasil-China de Tecnologias de Baixo Carbono, isso tem provocado e estimulado muitas parcerias com várias instituições brasileiras, nas quais tenho colaborado bastante com tudo isso.

TRENDS: Seria correto afirmar, então, que a área energética tem um bom potencial de interesse para ambos os países?

Expedito Parente Júnior: Tenho me envolvido muito nos temas de transição energética que tanto não são desafio só para o Brasil, mas especialmente para a China. Eu diria que a China certamente foi o país que melhor aproveitou esse desafio climático global e traduziu isso como uma grande oportunidade de negócio, de desenvolvimento econômico. Veja que muitas das tecnologias que saem do âmbito da Tsinghua e de outros equipamentos de inovação da China estão presentes no mundo inteiro, especialmente no Brasil. Para quem é do setor de energias renováveis, combustíveis renováveis, transição energética como um todo, sabe da presença da tecnologia chinesa e isso, evidentemente, tem trazido não só benefícios para o clima, mas especialmente benefícios econômicos para aquele país.

“O modelo chinês de inovação não tem nada de autoritário e totalitário. A criatividade não frutifica em um ambiente de muito regramento.”

TRENDS: Pelas suas incursões na cultura “corporativa” chinesa, é possível transpor o modelo chinês para o Brasil?

Expedito Parente Júnior: Tenho ido com uma certa frequência para a China, muitas vezes com pessoas que converso muito, sempre voltamos de forma muito entusiasmada após uma visita dessas. Em contrapartida, há aqueles que dizem que o modelo chinês não é replicável, alegando muito a questão do regime político. A democracia deles é muito diferente da nossa. O conceito de liberdade para a China é claramente muito diferente do conceito de liberdade para o Brasil. Diante disto, o modelo é replicável? A gente se questiona. Dentro de tudo que tenho visto e praticado lá na China, eu diria que o modelo de inovação deles não tem nada de autoritário, não tem nada de totalitário. Aliás, a criatividade não frutifica em um ambiente de muito regramento. Ao contrário, a inovação é sempre parte de um processo de insatisfação com o status. E de uma indisciplina em querer fazer algo diferente. A matéria-prima da criatividade é a inovação. É difícil encontrar um ambiente mais criativo do que esse ambiente em torno dos equipamentos de inovação que eu mencionei aqui. Então, o que há realmente é um foco em querer fazer isso, uma falta de dispersão em outras pressões políticas e sociais que lá realmente não tem, e um foco em desenvolvimento. O modelo de inovação dessas instituições é absolutamente replicável no Ceará. É claro que são exóticas. Imaginar que uma UFC da vida possa ser sócia da Prefeitura de Fortaleza, por exemplo, ou da prefeitura de Juazeiro, ou ter uma holding para desenvolver negócios é algo absolutamente exótico para a gente, mas que nada impede. Pelo contrário, a legislação hoje está estimulando esse tipo de iniciativa.

TRENDS: Os interesses são mútuos?

Expedito Parente Júnior: A parceria com o Brasil para a China é extremamente estratégica. Eles afirmam e reafirmam isso tanto na oferta como na demanda. Oferta porque a China tem um desafio agroalimentar enorme e nenhum país tem o tamanho e a capacidade de crescimento que o Brasil tem em ofertar alimentos para eles. E outros commodities em geral. Então, essa aproximação com o Brasil é reconhecidamente estratégica para eles. Além disso, dentre os grandes países, o Brasil talvez seja aquele com maior gap de investimento, especialmente em infraestrutura. As empresas chinesas, muitas delas estatais, são competitivas a nível internacional. Veja aí também uma outra grande diferença em relação ao nosso modelo. As empresas estatais chinesas são competitivas, estão no Brasil competindo com as empresas privadas brasileiras e muitas vezes ganhando em contratos. Como a China já tem um plano de investimento bastante ousado de infraestrutura e o Brasil é demandante de investimentos em infraestrutura, isso se torna uma oportunidade estratégica da China no Brasil.

TRENDS: E os biocombustíveis, como entram nesta pauta?

Expedito Parente Júnior: Ainda na questão de oferta, além dos produtos agroalimentares, há os produtos energéticos. Há uma discussão, uma iniciativa da qual eu faço parte, de criar um corredor verde Brasil-China em biocombustíveis, isso vale não só para transporte de aviação, transporte marítimo e transporte rodoviário, com foco nas potencialidades e vocações de ambos os países, criando critérios de sustentabilidade própria, no intuito de maximizar a produção e o uso desses biocombustíveis em ambos os países e nos países em torno. E isso tem escala e potencial para simplesmente modificar toda a estrutura da indústria de biocombustíveis no Brasil, que já está entre as maiores do mundo. Igualmente, o Brasil é o único do mundo com capacidade de expansão dessa indústria. Os Estados Unidos têm uma indústria até maior do que a do Brasil em biocombustíveis, mas nós temos uma capacidade de expansão muito maior. E quando se fala no cenário de emissões zero em carbono, que os países todos se comprometeram até 2050, 2060, dependendo do país, esse cenário só será factível, só será possível, com o protagonismo do Brasil. Sem o protagonismo do Brasil, nenhum outro país terá a condição de prover soluções para esse Net Zero, como tem o Brasil. Esta certamente será a indústria que mais crescerá no país nos próximos anos. O Ceará tem oportunidades nisso, porque o barateamento das energias eólica e solar tem viabilizado empreendimentos não só de hidrogênio, como também de captura de CO² e o Hidrogênio com CO². Assim será possível produzir os combustíveis sintéticos renováveis como diesel verde, gasolina verde e querosene verde em substituição aos combustíveis fósseis. Estamos muito interessados nesse processo.

TRENDS: O mundo sabe desta competência nacional?

Expedito Parente Júnior: Agora, em novembro, o Brasil sediará a reunião do G20, e no ano que vem, em Belém do Pará, nós sediaremos a COP30, a Conferência das Partes pelo Clima, e isso reforça a posição de liderança e de protagonismo que o Brasil tem construído na discussão climática. Será o momento de o Brasil mostrar o trabalho que tem feito. O presidente Lula acabou de sancionar, em 8 de outubro, o combustível do futuro, que traz uma perspectiva de destravar algumas centenas de bilhões de reais de investimentos e praticamente dobrar a produção de etanol e biodiesel no Brasil, criando a indústria de querosene de aviação sustentável no país. Também está em vias de ser aprovado o mercado de carbono brasileiro, à luz do que já existe no RenovaBio. Tudo isso será apresentado e servirá de inspiração nessas reuniões sediadas pelo Brasil. A regulação recém aprovada e em curso de aprovação ainda tem foco muito grande no mercado doméstico, que é enorme. Então, a expectativa é de posicionar o Brasil como grande exportador desses produtos, não só para a China, como para os países asiáticos, todos eles se comprometendo com mistura, realmente traz uma enorme oportunidade para o país. É evidente que o Nordeste se posiciona de forma favorável por ter energia renovável barata e, consequentemente, produtos que se utilizem dessa energia de forma competitiva e de baixo carbono. Não há nenhuma indústria, nenhum setor industrial de porte, com a perspectiva de crescimento tão grande como os setores energético, o bioenergético, o das energias bioenergéticas e todas as energias renováveis no Brasil.

TRENDS: Como observador atento a esta perspectiva, estamos próximos disto?

Expedito Parente Júnior: Fica a ansiedade da gente tentar aproveitar essa oportunidade e realmente trazer um desenvolvimento endógeno que modifique o município e o território. Algo que não seja apenas o enriquecimento de algumas fortunas. Para isso é importante a gente usufruir do rastro do processo de desenvolvimento, que não seja apenas o produto do desenvolvimento em si. Para isso, mais uma vez, é preciso reforçar a importância do investimento da inovação. A inovação é um elemento que deixa esse rastro. E tão importante quanto a tecnologia desenvolvida é a formação de recursos humanos, da mesma forma que a estruturação dos laboratórios com equipamentos adequados, o fortalecimento dos pesquisadores e a promoção das parcerias e das cooperações. Eu me sinto muito otimista com isso tudo.

Saiba mais: 50 anos de relações diplomáticas entre Brasil e China

Iniciada em 1974, a parceria entre o Brasil e a China na construção de um novo paradigma de desenvolvimento e no enfrentamento das questões climáticas tem sido pauta constante nas relações diplomáticas. Nos últimos 15 anos, a China tem sido o maior parceiro comercial do Brasil e a principal fonte de superávit comercial brasileiro, o que fez do Brasil o primeiro país latino-americano a exportar mais de US$ 100 bilhões anuais para a China.
Entre os pontos de aderência entre as Nações estão o trabalho conjunto para a ampliação do BRICs, a promoção da governança climática global e a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza liderada pelo Brasil.
Desde 2020, a China é o país que mais produz conhecimento no mundo, como atestam as principais publicações científicas (o Brasil ocupa o 13º lugar como produtor de ciência e tecnologia). Por esta razão, a China é a que mais deposita patentes por conta de seu DNA inovador.
Segundo a Secretaria de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, em 2023, com embarques de mais de US$ 60 bilhões em 2023 para a China, o Brasil bateu recorde nas exportações.
Somente no primeiro semestre deste ano de 2024, o Brasil já exportou US$ 28,44 bilhões em produtos agrícolas. A pauta exportadora inclui soja, milho, açúcar, carne bovina, carne de frango, celulose, algodão e carne suína in natura. E importou produtos florestais e têxteis somando aproximadamente US$ 1,18 bilhão.
Além de principal parceira estratégica no agronegócio, a China, apenas em março de 2024, habilitou 38 novas plantas frigoríficas brasileiras, sendo 34 frigoríficos e 4 entrepostos comerciais, fruto de acordos e de incursões da diplomacia brasileira. A última, em junho, efetivou acordo para promover o café brasileiro na maior rede de cafeterias chinesa, prevendo a compra de aproximadamente 120 mil toneladas de café.

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