A matriz energética mundial vai ser dominada, em 2038, pelas fontes limpas ou renováveis (hídrica, solar, eólica, biomassa, geotérmica e oceânica), ano que elas vão assumir, definitivamente, a liderança na geração de energia. Até 2030, a geração renovável, principalmente eólica e solar, deve responder por 38% da matriz energética e chegar, em 2050, aos 62%. Pelo menos é o que projeta o estudo “If every energy transition is different, which course will accelerate yours?”, elaborado pela EY.
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Diante do aquecimento global que está acontecendo de forma acelerada, a mudança da matriz energética mundial é urgente e de fundamental importância para a vida no planeta. Dentre as condições que embasam a transição estão “o desenvolvimento sustentável, as mudanças climáticas, as inovações tecnológicas, a digitalização, o uso eficiente dos recursos energéticos e as fontes de baixo carbono”.
O relatório “Renewable Energy Statistics 2024”, da Agência Internacional para as Energias Renováveis (Irena), reconhece que está existindo um rápido crescimento das energias renováveis no mundo, mas a velocidade ainda é insuficiente para a “concretização do compromisso da 28ª Conferência do Clima da ONU (COP28), de triplicar as renováveis até 2030”.
As atuais tendências – aponta o relatório da Irena – indicam a necessidade de um aumento anual de pelo menos 16,4% na capacidade das energias renováveis até 2030 para atingir este ambicioso objetivo. Em 2023, a capacidade das renováveis registou aumento de 14%. O mundo adicionou 50% mais capacidade renovável em 2023 do que em 2022.
O consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), Jurandir Picanço (foto), ao ser questionado sobre a necessidade de agilizar o processo de mudança da matriz energética mundial, sobretudo diante da acelerada mudança climática, garante que todos os países estão motivados e buscando suas alternativas, pois a intensificação dos eventos climáticos extremos tem contribuído para o avanço dessa transformação. É evidente que sempre há possibilidades de se antecipar providências, mas “a movimentação que assistimos no sentido da transição, trata-se de um evento mundial inédito. Todos os países alinhados com o mesmo propósito. Transpor as barreiras dos elevados investimentos e das tecnologias competitivas é fundamental”.
“Há uma concordância mundial da importância da descarbonização do setor de energia. O planejamento energético de todas as nações privilegia as energias renováveis e, em menor escala, a energia nuclear. Os maiores investimentos ocorrem na China, que está conseguindo antecipar metas. Um destaque para o Reino Unido, que recentemente anunciou o fim da produção de energia a carvão em seu território. O Brasil, privilegiado por seu gigantesco potencial de energia renovável, já tem a matriz de energia mais limpa do G20. Cabe, então, contribuir com a descarbonização dos outros países, aproveitando essa grande oportunidade para seu desenvolvimento social e econômico. Um projeto de país de longo prazo ancorado no seu potencial de energias renováveis poderia ser desenvolvido.”
Jurandir Picanço, consultor de Energia da Fiec
Sobre o papel da tecnologia na transformação da matriz energética mundial, Jurandir Picanço é taxativo: “a transição energética, para ter sucesso, depende do desenvolvimento tecnológico visando obter soluções competitivas”. Ele observa que é muito visível na mobilidade: veículos eletrificados ou a hidrogênio são apresentados com frequência, sempre trazendo novas tecnologias. “Na aviação, são dezenas de novas tecnologias sendo desenvolvidas para a produção do SAF (Combustível Sustentável de Aviação), que comporta diversas rotas tecnológicas, sabendo-se que prevalecerão as de grande potencial e custos competitivos. O mesmo ocorre com o transporte marítimo que aponta como mais viável a alternativa do metanol sintético” – ressalta.
Para o consultor de Energia da Fiec, as parcerias entre governos e grandes corporações (PPPs) podem alavancar projetos para energia limpa. Em nível mundial – explica – países da União Europeia, com destaque para a Alemanha, estão buscando soluções com parcerias, dando segurança aos investidores privados assumirem os riscos de seus empreendimentos. A dimensão dos investimentos é de tal ordem elevada, que as decisões passam por regulação adequada, incentivos tributários e, principalmente, uma legislação que dê segurança jurídica aos investidores.
Quanto a necessidade de regulação para implementar parcerias e acordos energéticos considera fundamental, pois, do contrário, prejudica o avanço da transição energética. Como exemplo cita o Brasil, que ainda não tem Marco Legal do Mercado de Carbono e de Geração Eólica Offshore. “A questão econômica é essencial. Desde o Acordo de Paris em 2015, buscou-se uma forma de viabilizar o financiamento da transição energética dos países em desenvolvimento. Somente na COP27, realizada em 2022, em Sharm el-Sheikn, no Egito, foi firmado um Acordo sobre Financiamento de Perdas e Danos dos países em desenvolvimento. Os mecanismos para esses financiamentos ainda não estão consolidados” – frisa.
Jurandir Picanço acrescenta que poderia citar várias experiências exitosas de parcerias, como, por exemplo, a do Governo do Estado com o Porto de Roterdã, que tem sido fundamental para alavancar projetos de hidrogênio verde (H2V) no Complexo do Pecém. A parceria motivou a vinda do primeiro-ministro dos Países Baixos a assinar com o Governo do Ceará um compromisso, cuja ambição é de fornecer 25% do H2V importado pelo Porto de Roterdã até 2030, que representa cerca de 1 milhão de toneladas anuais.
“Essa parceria atraiu dezenas de empresas a assinar memorandos de entendimento direcionados à exportação de hidrogênio verde (H2V). Vários desses empreendimentos avançaram em suas providências de tal forma, que seis já reservaram áreas na Zona de Processamento de Exportação (ZPE) do Pecém. Desses, três já tem licenciamento ambiental e aprovação de sua conexão elétrica no Sistema Interligado Nacional (SIN). Há uma expectativa muito positiva de que no próximo ano sejam tomadas as decisões finais de investimento (FID), assegurando a realização desses projetos.”
Jurandir Picanço, Consultor de Energia da Fiec
Ele adverte que, dentre os desafios para a transformação da matriz energética mundial, o fator econômico é preponderante. A transição energética, substituindo as atuais alternativas fósseis, exigirá novos investimentos de grandes valores, e é necessário que a alternativa limpa seja competitiva. “O fator de maior atração para uma alteração de tecnologia é o seu custo. Soluções limpas de maior custo é a maior barreira para a transição” – conclui.
Luis Carlos Gadelha Queiroz (foto), presidente do Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Estado do Ceará (Sindienergia), considera fundamentais as parcerias entre governos e corporações, sobretudo na questão da nova matriz energética mundial. Ele entende que o tripé Poder Público – meio industrial / empresarial – academia, com o apoio das instituições financeiras, é o que move os grandes projetos. São os agentes que, quando sincronizados, são capazes de fazer acontecer. E o poder público tem o papel primordial de possibilitar. Criar condições, promover incentivos, preparar o terreno para que os investidores se sintam atraídos e aptos a investir.
“No Ceará, sobretudo na nossa área de energias, temos tido um apoio e atenção muito grandes do governador Elmano de Freitas. Tenho sentido o empenho de perto, por parte do Governo e das suas Secretarias, para não desperdiçar as oportunidades únicas que estão batendo à nossa porta e que, sem dúvida, serão capazes de transformar a realidade do nosso Estado. Essa dinâmica dos novos projetos é muito intensa e o Governo estadual já percebeu isso. Temos a vantagem de ter condições muito favoráveis ao desenvolvimento de projetos na área de energias renováveis no Ceará. Mas, hoje, se um grande player percebe que outro estado ou país oferece melhores condições, facilidades e benefícios, ele migra. Então, essa atenção para não deixar passar oportunidades é crucial.”
Luis Carlos Gadelha Queiroz, presidente do Sindienergia
Quanto ao papel do hidrogênio verde na transformação da matriz energética mundial, Queiroz acredita que, a nível nacional, vai ajudar o país a reduzir, de vez, a dependência que ainda resta de combustíveis fósseis, inclusive no setor de transportes, chegando a uma matriz essencialmente limpa, em um prazo menor. Além disso, o Brasil pode ser um grande exportador de combustível para outros países com essa nova fonte.
Ele informa, inclusive, que estudo divulgado pelo Ministério de Minas e Energia (23 de outubro), revela que somente o Nordeste aparece contabilizando 11 projetos de interesse e oito pontos de conexão (sendo o Pecém um deles) para a produção de hidrogênio verde (H2V), que contabilizam um montante de 45,4 gigawatts (GW) de potência instalada até 2038. “Ou seja: o potencial do H2V é muito alto e deverá ter um papel primordial na mudança da matriz energética brasileira”.
O dirigente do Sindienergia, a exemplo de Jurandir Picanço, concorda que as novas tecnologias possibilitam evolução e que, nos últimos anos, ocorreu um avanço muito grande, que tem viabilizado uma transformação na matriz energética brasileira. A inovação está transformando profundamente o setor elétrico no Brasil, impulsionando uma transição energética (para fontes de energia mais limpas e eficientes), melhorando a confiabilidade da rede e a redução do impacto ambiental.
Há dez anos – relembra Luis Carlos Queiroz – as hidrelétricas dominavam a matriz elétrica, respondendo por mais de 70% da energia gerada no Brasil. Atualmente, essa participação caiu para 46%, embora ainda seja uma fonte importante. Em contrapartida, as energias eólica e solar, que eram praticamente inexistentes ou irrelevantes há uma década, agora representam 13,5% e 20% da matriz, respectivamente.
Uma dessas novas tecnologias que devem chegar para ficar, inclusive, como uma das soluções para o problema de armazenamento, é o uso de baterias para compensar nesses períodos de menor geração e maior pico no consumo de energia – observa. E acrescenta: a mudança na matriz elétrica brasileira reflete uma tendência global de diversificação das fontes de energia e aumento da participação de fontes renováveis. No entanto, esse processo de transição energética traz consigo novos desafios que exigem planejamento e adaptação contínuos do setor elétrico para garantir o fornecimento estável de energia para a população.
“Essa nova configuração da matriz elétrica traz desafios para o fornecimento de energia, especialmente nos horários de pico de demanda. Após as 18h, por exemplo, não há geração de energia solar e a produção eólica não está em seu pico. Além disso, as hidrelétricas, que poderiam compensar essa situação, enfrentam períodos de estiagem mais intensos, reduzindo sua capacidade de geração. Essa combinação de fatores complica significativamente a operação do sistema elétrico nacional. Esse é apenas um dos desafios que precisamos superar, com a ajuda da tecnologia, planejamento e adaptação contínuos do setor elétrico.”
Luis Carlos Gadelha Queiroz, presidente do Sindienergia
A respeito dos desafios para a transformação da matriz energética, o presidente do Sindienergia garante que ainda são muitos e destaca, como exemplo, um maior investimento em linhas de transmissão para que a capacidade abundante de geração eólica e solar do Nordeste seja melhor escoada para todo o país, garantindo assim, maior segurança energética. Além da modernização de redes de transmissão para distribuição de energia e na melhoria dos sistemas de armazenamento.
Em se tratando de matriz energética, alguns setores, como o de transportes, também precisam evoluir bastante. Hoje, esse setor é o maior consumidor de combustíveis fósseis do Brasil, e, por isso, é um dos grandes desafios no processo de transição energética. O balanço do governo mostra que, em 2023, esse setor consumiu 33% da energia do país e mais de 77% dessa energia teve origem em fontes não renováveis, como óleo diesel (44,6%) e gasolina (21,7%).
Houve aumento no consumo de etanol e biodiesel, mas de apenas 0,5%. Apesar do aumento na venda de carros elétricos, essa tecnologia ainda esbarra no alto preço e na falta de infraestrutura para esses veículos. Além disso, mudanças profundas no transporte coletivo e rodoviário precisariam ser vistas – frisa. Ele também chama a atenção para a falta de regulação, pois, para que ocorra uma transição energética rápida e bem-sucedida no Brasil, é fundamental que a legislação do país acompanhe a velocidade da tecnologia, das novas fontes e modalidades e da urgência da crise climática.
Queiroz aponta que essa questão tem sido mais um grande obstáculo do país para alavancar essa mudança. “Portanto, é necessário que sejam criadas regulações sólidas que amparem as mudanças e deem segurança para as pessoas e para o setor privado, incentivando mais investimentos”. E finaliza: parte dos contratempos têm sido provocados por interesses econômicos e políticos a favor da perpetuação do uso de combustíveis fósseis. Investimentos vultuosos em energia eólica offshore e hidrogênio verde, por exemplo, aguardam uma regulação mais sólida para avançarem.
O Ministério de Minas e Energia (MME) e o Banco Nacional do Desenvolvimento Sustentável (BNDES) criaram um novo sistema para atrair novos investimentos em transição energética para o Brasil: o Brazil Climate and Ecological Transformation Plataform (BIP, sigla em inglês), que conta também com a colaboração dos Ministérios do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviço (MDIC), Meio Ambiente (MMA) e Fazenda (MF).
A plataforma, lançada oficialmente no último dia 23, pretende alavancar investimentos nacionais e estrangeiros na transição energética, indústria, mobilidade e soluções climáticas. A ideia é que o espaço sirva como um catalizador de oportunidades, colocando potenciais financiadores em contato com bancos de desenvolvimento e organizações financeiras multilaterais, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
A iniciativa vai garantir visibilidade a um pacote de projetos estruturantes alinhados às políticas lançadas pelo Governo Federal para o desenvolvimento sustentável, permitindo evidenciar de maneira concreta os benefícios para a população. “Estamos avançando rapidamente para que a Plataforma permita que os anúncios das nossas políticas sejam convertidos em um pacote de projetos estruturantes de energia limpa, de grande escala, que vão gerar empregos e renda duradouros”, garantiu o ministro Alexandre Silveira (MME).
Para isso, os representantes dos ministérios firmaram uma parceria com o BNDES para acelerar a criação de uma estrutura de projetos formadores de transição energética, para atrair mais capital, mais investimentos e mais rápido. Essa foi uma das prioridades no grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, o G20, sob a liderança brasileira este ano.
Uma outra finalidade da medida é alavancar capitais estrangeiros para projetos eleitos como prioritários. Para a transição energética foram elegidos temas como combustíveis sustentáveis; soluções renováveis para sistemas isolados; hidrogênio de baixa emissão de carbono; tecnologias para redes elétricas de transmissão e distribuição; eólicas offshore; eficiência energética; e minerais estratégicos para a transição. (Informação da Assessoria Especial de Comunicação Social – MME).
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