O setor de energias renováveis no Brasil passa por um momento de turbulência. De um lado, há uma variedade de fontes com projetos de geração de energia verde. De outro, tem o mercado que não está consumindo na mesma proporção, o que levou o Operador do Sistema Nacional a colocar freio no ritmo da geração das usinas eólicas e solares, causando apreensão em quem tem a missão de limpar a matriz energética para um futuro melhor. A desaceleração nos processos de produção está na pauta dos agentes envolvidos e é uma missão que entidades de classe e demais agentes da cadeia energética estão atentos para a reversão.
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O Sindicato das Indústrias de Energia e de Serviços do Setor Elétrico do Ceará (Sindienergia) é uma das forças que trabalham nesta direção. O diretor de Regulação, Bernardo Viana (foto), não vê recuo nos investimentos, que continuam altos. O que há é um novo desafio de gargalo em função de não estar havendo crescimento igual ao consumo. O que se entende por “cortes arbitrários de energias renováveis”, como vêm sendo anunciados, na verdade, é o fato de o Operador Nacional do Sistema estar ordenando, há mais de um ano, que os parques eólicos e solares sejam desligados momentaneamente para evitar injetarem energia em demasia em horários de baixo consumo.
“Como estamos falando de investimentos de bilhão, esta iniciativa causa apreensão, mas este é um problema que se soluciona com adoção de baterias e melhorias na rede”, afirma Bernardo, certo de que as articulações políticas sejam bem-sucedidas. “Se afugentarmos investimentos, haverá repasse de custos e sabemos que a energia mais cara é a que não existe”, ilustra ele.
Para o Sindienergia Ceará, as projeções futuras continuam favoráveis. É o caso do Projeto de lei das eólicas offshore em tramitação que será destravado ainda neste ano. Há, ainda, muita área livre em terra e no mar a ser ocupada nas expansões e nos novos projetos. A assinatura do Marco Legal do Hidrogênio Verde foi outro avanço importante com benefícios relevantes para o Ceará.
O gargalo apontado por Bernardo Viana é o do transporte desta energia para a transmissão e distribuição, envolvendo mudanças climáticas, além de renovação das concessões. “Vivenciamos um momento no setor afetado por medidas governamentais, mas que existem regras a serem cumpridas”, assegura Bernardo.
O Brasil entrou para seleto grupo das seis nações que já ultrapassaram 50 GW da fonte solar, junto com China, Estados Unidos, Alemanha, Índia e Japão. O feito foi possível graças ao fato de a fonte solar ter atingido a marca histórica de 50 gigawatts (GW) de potência instalada operacional no Brasil e mais de 1,5 milhão de empregos verdes acumulados desde 2012.
O balanço, em clima de comemoração, é da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), segundo a qual, neste período, o setor trouxe ao Brasil mais de R$ 229,7 bilhões em novos investimentos, considerando geração própria solar via pequenos e médios sistemas (com 33,5 GW) e as grandes usinas solares (com 16,5 GW) espalhadas pelo País. A fonte solar – que equivale a 20,7% da capacidade instalada da matriz elétrica brasileira, a segunda maior – já evitou a emissão de cerca de 60,6 milhões de toneladas de CO2 na geração de eletricidade, contribuindo para a transição energética no Brasil.
“O aumento do imposto de importação de módulos fotovoltaicos de 9,6% para 25%, anunciado em novembro, mancha a trajetória de sucesso da energia solar no Brasil e ameaça os investimentos atuais e futuros, com risco de aumento da inflação, perda dos empregos verdes já gerados e insegurança jurídica para as empresas que atuam no País”, alerta Ronaldo Koloszuk, presidente do Conselho de Administração da Absolar.
Segundo a Absolar, há pelo menos 281 empreendimentos fotovoltaicos em situação crítica, incluindo um montante de mais de 25 gigawatts (GW) e R$ 97 bilhões em investimentos que seriam entregues até 2026. Estes projetos podem contribuir para a geração de mais de 750 mil novos empregos verdes e a redução de 39,1 milhões de toneladas de CO2.
As duas únicas fabricas nacionais de módulos fotovoltaicos não têm capacidade de suprir nem 5% da demanda nacional de painéis solares. Elas contam com uma capacidade de produção máxima de 1 GW/ano, montando os equipamentos a partir de insumos importados, ao passo que a demanda do mercado solar brasileiro em 2023 foi de mais de 17 GW.
Na área da energia eólica, apesar dos fortes ventos que sopram no Brasil, a previsão de fechamento de capacidade instalada de parques eólicos neste ano de 2024 será menor do que de 2023, quando foram instalados 4,8GW. Segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEólica), atualmente, o setor enfrenta uma crise com baixa de projetos, seja por falta de demanda de energia, seja por questões de restrições de geração eólica, o que levou à suspensão de investimentos neste ano.
Com isso, os impactos estimados dos cortes de geração das eólicas chegam a 8,1 milhões de MWh de geração restringida, o que equivale a R$ 1,6 bilhão somente entre janeiro e novembro de 2024, afetando, basicamente, as áreas de geradores renováveis e os fabricantes de aerogeradores.
Para reverter este quadro, a entidade vem trabalhando fortemente com as instituições públicas, governamentais e financeiras visando propor medidas para mitigar os impactos atuais na cadeia e trazer condições favoráveis para o setor voltar a crescer de forma a assegurar os compromissos climáticos do país. A entidade também alerta que se a economia do Brasil continuar a crescer, também aumentará a demanda de energia.
Para projetos futuros, independentemente de ter ou não o risco de corte de geração, os investidores procuram precificar a grande incerteza associada aos possíveis cortes. O armazenamento no sistema elétrico é uma das alternativas que mitigam os problemas de corte de geração, pois asseguram maior flexibilidade operativa, a inserção desses sistemas associados ou não a fontes renováveis também contribuem para a retomada do setor.
Segundo projeções do Relatório de Acompanhamento da Expansão da Oferta de Geração da ANEEL, a expectativa é que mais de 22GW de projetos eólicos sejam instalados e entrem em operação até 2032. O mercado de renováveis tende a crescer nos próximos anos, apesar da crise no curto prazo, dando respostas às metas dos acordos climáticos.
Os obstáculos que surgem, entretanto, não são suficientes para abalar o ânimo dos agentes deste mercado. Jonas Becker (foto), presidente da Câmara Setorial de Energia do Estado do Ceará, também coordenador Regional da Absolar, por exemplo, diz que projetos de energia são muito bem estruturados e preparados para enfrentar questões macroeconômicas envolvendo o desenvolvimento econômico e as flutuações do dólar.
Ele lembra que o Plano Nacional de Desenvolvimento Energético prevê investimentos privados de R$ 597 bilhões até 2034 em energias renováveis, um número conservador diante do potencial a ser explorado.
Otimista, Jonas Becker acredita que o Brasil pode alcançar a meta ousada e corajosa de redução de emissões de 59% e até 67% até 2035 sobre 2005. Como? “É possível, desde que as políticas governamentais caminhem na direção da eletrificação e descarbonização da indústria”. Ele ressalta que o País tem a dádiva e a responsabilidade de ter uma Amazônia e conta com uma diversificada e limpa matriz energética, onde o Nordeste se posiciona como protagonista com abundância de sol, vento e hidrogênio verde.
Longe do freio nos investimentos, a pernambucana Kroma Energia continua apostando no mercado de energias renováveis, a começar pelo Complexo Arapuã, em Jaguaruana, onde investiu mais de R$ 800 milhões. O projeto terá capacidade de 250 MWp/200MWac, numa área de 403 hectares, o equivalente a 488 campos de futebol, que inicia operação em janeiro de 2026. Com o intuito de atingir o marco de 648 MWp em plantas de energia solar em operação comercial até o final de 2026, “o grupo Kroma continuará a investir em tecnologia de ponta e parcerias estratégicas, reforçando seu compromisso com a sustentabilidade e a expansão da matriz energética renovável no País”, garantiu o CEO Rodrigo Mello (foto).
Há 15 anos atuando no desenvolvimento de projetos de geração e na compra e venda de energia no Ambiente de Contratação Livre (ACL), como agente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e integrante da Associação Brasileira dos Agentes Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), somente em 2023, a companhia negociou aproximadamente 1,8 gigawatt-médio (GWm). Neste mesmo ano, atingiu o marco total de 800 consumidores em sua carteira de comercialização.
Em geração, a Kroma soma 4,6 GW em projetos de energia renovável, entre potência já instalada e projetos ainda em fase de desenvolvimento. No início de 2024, a Kroma entregou o Complexo São Pedro e Paulo, desenvolvido em parceria com a também pernambucana Elétron Energy, que possui 101 MWp de potência instalada, no município de Flores, interior pernambucano. O projeto tem parte de sua planta dedicada ao abastecimento das unidades da Companhia Pernambucana de Saneamento – COMPESA, através de uma Parceria Público Privada (PPP) de Energia.
Em parceria com as norueguesas Equinor e Scatec, a Kroma desenvolveu o projeto do Complexo Apodi, em operação desde 2018, em Quixeré, no interior do Ceará, com potência instalada de 162 MWp.
Energias renováveis respondem por 85% da matriz elétrica do Brasil, mas enfrentam “gargalos”