Brasil é o paraíso da biomassa e biocombustíveis são destaques

Por: Pádua Martins | Em:
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Expedito Parente Junior fala sobre biomassa

Os combustíveis, a partir da biomassa, vêm crescendo a taxas altas e continuarão crescendo em razão do aumento da mistura nos combustíveis. (Foto: Acervo pessoal)

A matriz energética tem um papel relevante no Brasil. E são os combustíveis, a partir da biomassa, que vêm crescendo a taxas altas e continuarão crescendo em razão do aumento da mistura nos combustíveis, como na gasolina e no diesel, previsto para os próximos anos. O investimento até 2035 previsto no setor deve chegar aos R$ 300 bilhões, segundo estimativa de Expedito Parente Júnior, doutor em Engenharia Química, especialista em biocombustíveis, sócio da Consultoria Nexbio, em entrevista exclusiva para o portal TrendsCE.


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O Nordeste é a nova fronteira agrícola, portanto para produção de biomassa, especialmente na região do Matopiba. O Ceará desponta no processo, sobretudo pelo escoamento da produção pelo Porto do Pecém, que vai receber produtos pela Transnordestina. Ele acredita que o estado deve retomar a produção de biocombustíveis em razão da chegada da ferrovia e destaca o papel do Ceará, que parte na frente na integração das energias eólica e solar, com a produção de biocombustíveis através do hidrogênio verde.

Para ele, os combustíveis sintéticos avançados, como os hidrocarbonetos a partir da biomassa, requerem hidrogênio. O desenvolvimento desse hub de hidrogênio no Pecém será um diferencial competitivo para a instalação de indústrias de biocombustíveis no Ceará. O Estad, hoje, não é um grande produtor de energia a partir da biomassa, mas tem uma forte perspectiva em razão de dois principais investimentos: O hub logístico trazido pela Transnordestina e o hub do hidrogênio verde. Confira, seguir, a entrevista completa.

TrendsCE (TC): No Brasil, a energia produzida por biomassa tem crescido?

Expedito Parente Junior (EPJ): Quando se fala em geração de energia a partir da biomassa a questão deve ser analisada mediante duas perspectivas. Ao verificar o balanço energético nacional, que é publicado todo ano pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), existe a matriz energética nacional, que envolve todos os consumos e todas as produções de energia do Brasil, e a matriz elétrica, que segmenta apenas a energia elétrica. Então, a biomassa tem participação em ambas: tanto como combustível pra gerar calor, assim também como combustível para veículos e para geração de energia elétrica. Tradicionalmente, a biomassa é utilizada muito mais como combustível, seja para energia térmica ou como combustível veicular. É onde acontece o driver de crescimento da biomassa para esse fim. Estou considerando biomassa todo material que vem da natureza. Então, eu incluiria nessa definição também os biocombustíveis. Nesse sentido, a geração de energia a partir da biomassa vem crescendo muito, puxada principalmente pelo crescimento dos biocombustíveis, tanto o etanol, a partir da cana-de-açúcar e também a parte do milho, como o biodiesel a partir de óleos vegetais, gorduras animais e óleos residuais. Esse é o principal driver de crescimento do uso da biomassa para fios energéticos.

TC: E para fins elétricos?

EPJ: Ela não cresce tanto. A geração térmica de 2024 em relação a 2023, a partir da biomassa, cresceu de forma orgânica. Foi na ordem de 5%, um desempenho não tão elevado como no caso dos biocombustíveis, que cresceram mais de 10%. A principal maneira de gerar energia elétrica a partir da biomassa tem sido o uso do bagaço de cana-de-açúcar, um subproduto da indústria do álcool e do açúcar, que precisa de muita energia térmica pra resolver seus processos. Eles usam a cogeração que produz energia térmica e como subproduto produz energia elétrica. Então, a geração de energia elétrica a partir do bagaço de cana está muito atrelada ao próprio crescimento da indústria de etanol de cana que não foi tão grande. O que tem crescido muito no Brasil é a indústria etanol de milho. Então, em razão disso, você vê uma geração de energia elétrica muito mais orgânica.

TC: Então, o destaque é dos biocombustíveis?

EPJ: São os combustíveis, a partir da biomassa, que vem crescendo a taxas enormes e continuarão crescendo em razão do aumento da mistura prevista para os próximos anos, impulsionados pela nova política nacional de biocombustíveis, a Lei Combustível do Futuro, que foi sancionada pelo Governo Federal em outubro de 2024.

TC: Quais as principais vantagens da geração de energia a partir da biomassa?

EPJ: São várias. Primeiramente, porque a biomassa é uma uma fonte renovável. Então, o gás carbônico que é emitido na queima da biomassa é refixada na natureza através da fotossíntese. Para própria geração de biomassa, é um ciclo fechado. E isso faz com que não haja acúmulos, ou seja, a redução do acúmulo de gases causadores do efeito estufa é enorme. Isso mitiga essas mudanças globais climáticas, que vêm assolando a sociedade e a natureza. A outra vantagem do uso da biomassa é que é uma fonte local. Você consegue não só no Brasil. O Brasil é o paraíso da biomassa. É onde se produz a biomassa mais barata do mundo. E não só no Brasil como em outros países, você produzir biomassa evita a dependência do petróleo externo. Cada gota de biocombustível, cada gota de energia elétrica a partir da biomassa que se produz, é uma quantidade equivalente de energia que se deixa de importar para o país. Outra vantagem da biomassa é a capacidade que ela tem de gerar emprego e renda nas regiões rurais, nas regiões mais pobres do País.

TC: E as desvantagens?

EPJ: A grande desvantagem está relacionada a sua baixa densidade energética, comparada com o petróleo. A biomassa, na forma natural, ocorre na natureza na forma sólida, então é muito mais difícil você transportar e armazenar sólidos do que líquidos. Ela tem uma densidade energética por quilo pelo menos umas quatro vezes menor na forma natural do que o petróleo.

TC: Qual o futuro da biomassa no setor energético?

EPJ: Bastante promissor. A indústria de biocombustíveis é um dos setores que mais crescem no País. Vem crescendo a taxas enormes e continuará crescendo em razão da nova política nacional de biocombustíveis. A Lei Combustível do Futuro prevê o aumento do teto da mistura obrigatória de etanol na gasolina, que hoje é de 27,5% e pode chegar até 35%, e no caso do biodiesel, que atualmente está em 15%, pode chegar até 25%. Então, o aumento da mistura obrigatória associado a elevação do consumo de combustíveis, devido ao crescimento econômico, associado ainda ao fato de que esses combustíveis podem servir de matéria-prima para os novos biocombustíveis que estão chegando, como é o caso do combustível da aviação e do combustível marítimo. Tudo isso tem feito com que essa indústria tenha uma expectativa de pelo menos dobrar até 2030 a 2035.

TC: Qual a previsão de investimentos?

EPJ: Estima-se que os investimentos cheguem a R$ 300 bilhões nos próximos anos. A indústria, que cresceu muito, vai continuar crescendo. Além disso também tem o etanol de milho, que vem a complementar o etanol de cana-de-açúcar, que é produzido apenas nas regiões canavieiras, especialmente no estado de São Paulo, enquanto que o milho, que é uma commodity, tem vários corredores de exportação ligando os polos produtores até os portos exportadores. Em cada um desses corredores pode ter plantas de etanol de milho e, consequentemente, fazer com que o etanol nessas regiões seja mais competitivo do que é hoje, em razão da necessidade atual de transportar esse etanol lá do estado de São Paulo para regiões mais distantes. Assim, tudo isso faz com que essa indústria venha a crescer muito nos próximos anos. Já a energia elétrica vem a reboque, porque sempre que existe uma expansão do plantio e processo de cana se produz o bagaço de cana, uma fonte térmica para produção de energia elétrica renovável a partir da biomassa. 

TC: Então, o segmento mais evoluído é…?

EPJ: O setor sucroalcooleiro é a maior indústria bioenergética nacional. São mais de 350 plantas produzindo algo na ordem de 35 milhões de toneladas de etanol no Brasil. E essa indústria não só produz o etanol, que é um combustível a partir da biomassa, como também energia elétrica a partir da queima do bagaço. Então, é uma indústria realmente bastante destacada. Em seguida vem o biodiesel, que é o segundo biocombustível tradicional, associado a indústria da soja, que tem o Brasil como o maior exportador do mundo. É o maior produtor e exportador de soja do mundo e também uma indústria que cresce a grandes dígitos, superando até em uma taxa da indústria sucroalcooleira, mas em tamanho ela ainda é menor. É uma indústria bastante consolidada, são mais de 50 usinas produzindo quase nove milhões de toneladas de biodiesel no Brasil. E vem aí os novos biocombustíveis, impulsionados por essa nova legislação, como o de aviação. Já os biocombustíveis marítimos estão ainda em processo de desenvolvimento. 

TC: De que forma o mercado brasileiro de biomassa se destaca no mundo?

EPJ: Aqui é o paraíso da biomassa. O Brasil produz o eucalipto, a celulose mais barata do mundo; é o segundo maior produtor de etanol do mundo e segundo maior produtor de biodiesel do mundo; é o maior produtor e exportador de soja; e está entre os maiores exportadores e produtores de proteína animal. Temos a vantagem em relação aos demais, especialmente os Estados Unidos, a Índia e a China, que são outros grandes players, mas nenhum deles tem a capacidade de expansão que tem o Brasil. Nós utilizamos 10% da nossa área agriculturável, não falo nem da área toda, da área total, cito apenas a área agricultural, já excluindo especialmente as áreas de proteção ambiental. O Brasil se destaca especialmente nesse futuro próximo, em que o mundo todo tem se comprometido com o cenário de emissão zero de carbono, em que os biocombustíveis terão um papel essencial. Os grandes especialistas afirmam que não acontecerá o Net Zero Emission se o Brasil não tiver um protagonismo na exportação de biocombustíveis. Sem ele não será possível atingir. Então, isso cria uma avenida de crescimento, uma avenida de oportunidades para o País.

O Brasil se destaca especialmente nesse futuro próximo, em que o mundo todo tem se comprometido com o cenário de emissão zero de carbono, em que os biocombustíveis terão um papel essencial. Os grandes especialistas afirmam que não acontecerá o Net Zero Emission se o Brasil não tiver um protagonismo na exportação de biocombustíveis. Sem ele não será possível atingir. Então, isso cria uma avenida de crescimento, uma avenida de oportunidades para o País.

Expedito Parente Júnior, Doutor em Engenharia Química, especialista em biocombustíveis e sócio da Consultoria Nexbio

TC: O Nordeste tem potencial para a geração de energia a partir da biomassa?

EPJ: A região é uma nova fronteira agrícola, portanto para produção de biomassa, especialmente na região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que vem sendo cada vez mais expandida, aonde mais cresce a produção de soja, milho e algodão no Brasil, com a produção escoada pelos portos. Hoje, especialmente o Porto de Itaqui (Maranhão), descendo pra Aratu, na Bahia, ou até mesmo descendo também para os portos do Sudeste. Existem projetos para o escoamento dessa produção para o Porto do Pecém (Ceará), através da Transnordestina; o Porto de Ilhéus, através da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), e também o Porto de Pernambuco. Isso faz com que toda essas regiões que ligam as regiões produtoras até os portos exportadores sejam regiões com uma grande oferta de biomassa, de grãos, o que permite, assim, a instalação de empreendimentos para a produção de biocombustíveis. O Ceará náo é um produtor de soja, milho e algodão de grande porte, ou seja, nós somos importadores. Na balançao comercial, o estado é negativo com esses produtos. As empresas de biocombustíveis que chegaram aqui fecharam, tanto de etanol como biodiesel. Mas, há uma expectativa de retomada dessa indústria no Ceará em razão da chegada da Transnordestina, que fará com que o estado seja um dos corredores de exportação desse grão. Então, nós teremos um grão relativamente barato aqui, já que eles já estarão disponíveis. Já estarão passando aqui até o Pecém. E, além disso, o Ceará tem essa vantagem da integração das energias eólica e solar com a produção de biocombustíveis através do hidrogênio verde.

TC: Sendo assim, o hub do hidrogênio é de suma importância para o Ceará, correto?

EPJ: Todos esses combustíveis sintéticos avançados, hidrocarbonetos a partir da biomassa, requerem hidrogênio. O desenvolvimento desse hub de hidrogênio no Pecém, noestado como um todo, será um diferencial competitivo para a instalação dessa indústria no Ceará.O estado hoje não é um grande produtor de energia a partir da biomassa, mas tem uma forte expectativa, uma forte perspectiva em razão dessa dois principais investimentos: O hub logístico trazido pela Transnordestina e o hub do hidrogênio verde.

TC: Quais são os principais desafios para o setor de biomassa?

EPJ: Temos desafios associados a oferta de matéria-prima, pois apesar de toda essa pujança do Brasil e sua competitividade pra produção de biomassa, há sempre um desafio, dados os volumes associados a grande demanda por energia no Brasil. Para aumentar, dobrar a produção de biocombustíveis nos próximos anos, vai ser necessária toda uma organização produtiva, de maneira que isso ocorra com sustentabilidade. Como produzir biomassa limpa, seguindo todos os critérios de sustentabilidade que são apregoados internacionalmente. Estamos no que tange mais uma vez ao uso da terra, a garantia da biodiversidade, não competição com os alimentos; não promover o trabalho que não siga a as boas práticas internacionais e nacionais; ao uso da água, quanto a pegada hídrica para a produção de biomassa. Esses são os principais desafios. E isso está muito relacionado com a vocação das microrregiões que tem as características adequadas pra produção da biomassa. Tecnologia já existe. O Brasil é líder em tecnologias agronômicas, em tecnologia industriais para a transformação da biomassa em biocombustíveis.

TC: Mas existe também a questão de infraestrutra, certo?

EPJ: Os desafios de infraestrutura o Brasil tem uma carência histórica para transporte e armazenagem de biomassa. Quanto a questão da regulação, isso tem sido bem resolvido, especialmente com essa nova política nacional de biocombustíveis, que trouxe previsibilidade para os investidores nos próximos anos. Nós temos um desafio de competitividade no mercado externo. O Brasil não é um exportador de biocombustíveis. O Brasil exporta muito pouco, quase nada do que se produz de biocombustíveis. Hoje, a produção de biocombustíveis está essencialmente voltada para o mercado doméstico.

TC: A economia exerce papel importante na questão de investimentos?

EPJ: Realmente, dos R$ 300 bilhões previstos, alguns deles são empreendimentos bastante intensivos em capital e nós vivemos num país com as maiores taxas de juros reais do mundo, o que é outro desafio importante. O desafio da gente é ter uma continuidade no crescimento da nossa economia, que isso puxa a demanda por energia, fazendo com que indústria cresça continuamente.


Geração de energia a partir da biomassa foi recorde

Em 2023, 93,6% da eletricidade foi gerada a partir de fontes renováveis, o que reforça o Brasil como liderança mundial na transição energética. A geração de energia a partir da biomassa bateu o recorde de contribuição ao Sistema Interligado Nacional (SIN) naquele ano. Foram 3.218 megawatts médios (MWm), o que significou 4,6% de toda a demanda de energia consumida em 2023. As informações são da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia.

O recorde anterior foi em 2020, quando a geração média das usinas de biomassa ficou em 3.140 MWm. Em 2023 houve acréscimo na capacidade instalada de Biomassa de 223 MW e, para 2024, o incremento esperado, se confirmado, será de 1.155 MW, o que representará o maior valor da série histórica. Em 2023, a contribuição da biomassa à geração de energia variou de 3,2% a 4,9% ao longo dos meses.

São 637 empreendimentos movidos a biomassa espalhados por todo o Brasil. A maioria deles (422) utiliza bagaço de cana-de-açúcar, com uma potência total de 12.410 MW. Resíduos florestais são o combustível de 76 usinas, que geram 820 MW. O biogás contribui com uma potência de 201 MW. O licor negro, gerado pela indústria de papel e celulose, é o combustível de apenas 22 empreendimentos, mas esses são capazes de gerar 3.334 MW, sendo a segunda maior potência entre as subfontes da biomassa.

Em 2023, a expansão da geração de energia registrada em todo o Brasil foi de 10.300 MW, o maior da série histórica. No total, 291 usinas entraram em funcionamento. O maior número (140) corresponde a eólicas, que produziram 4.919,0 MW, sendo responsáveis por 47,65% da expansão da matriz. Em segundo lugar, estão as 104 novas usinas solares fotovoltaicas, que geraram 4.070,9 MW. Além destas, 33 termelétricas, 11 pequenas hidrelétricas e três centrais geradoras hidrelétricas compões as usinas que entraram em operação no ano de 2023.

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