No “apagar das luzes” de 2024, após extensas e cansativas negociações, finalmente a regulamentação da reforma tributária (aprovada em dezembro de 2023), tema que dominou, no ano passado, as discussões no Congresso Nacional, chegou ao fim, pelo menos em parte. É que o Projeto de Lei Complementar (PLP) 68/2024 – primeiro projeto da regulamentação da Emenda Constitucional 132 – da reforma foi aprovado, justamente a que trata do imposto sobre consumo. Porém, especialistas afirmam que a reforma não é a ideal, mas que foi a possível de ser aprovada.
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O primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária vai substituir cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por três: Imposto Seletivo e CBS, federais; e IBS, estadual e municipal. As regras tornam possíveis a implementação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, que compreende a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que é federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), distribuído entre estados, o Distrito Federal e os municípios.
No último dia 16, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou, com vetos (em 15 dos 544 artigos), o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária sobre o consumo. Na ocasião, o presidente considerou um “milagre” a sanção da reforma e da sua regulamentação. Os vetos à proposta de regulamentação da reforma tributária ainda serão analisados pelo Congresso Nacional.
A segunda parte da regulamentação da reforma tributária (PLP 108/2024) ficou para este ano. Ela trata da regulamentação da gestão e da fiscalização do Imposto sobre Bens e Serviços e prevê a criação do Comitê Gestor do IBS e seu Conselho Superior, com 54 representantes dos entes federados, para coordenar a arrecadação, a fiscalização e a distribuição do imposto.
A ideia do Governo Federal é que a segunda parte seja logo aprovada, antes do início do período de teste de cobrança dos novos impostos, em 2026. Na verdade, o que foi aprovado vai entrar em vigor a partir de 2027 e concluído até 2033, quando o novo sistema tributário estará totalmente implementado. O Executivo teme que a demora em aprovar a segunda parte possa atrasar todo o processo, causando, inclusive, insegurança jurídica.
Apesar da proposta de reforma tributária ser tema de discussão no Congresso nacional há mais de 35 anos, o que foi aprovado ainda não é o ideal, pois existem muitos pontos que poderiam ser melhorados, pelo menos na opinião do professor Ricardo Coimbra (foto), mestre em Economia e membro do Comitê Consultivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que afirma: o que foi aprovado não é o ideal, mas o que foi possível. O ideal, para esse momento, seria pelo menos a aprovação de um único imposto de valor agregado.
“A gente sabe que vai ter três tributos: CBS, IBS e também o imposto seletivo. Ou seja, a ideia é que a gente tivesse apenas um imposto de valor agregado. O que é que poderia ser melhorado? Melhorado o tipo de tributação, menos regressiva, mais progressiva. Tem alguns produtos que quando você debate e discute na composição do imposto seletivo, como no caso de armas, que não teve a aprovação de uma tributação maior. Talvez fosse interessante uma tributação menor pra outros produtos, mais alimentos, mais produtos que fossem interessantes ao crescimento da produção no país. Produtos mais sustentáveis e assim sucessivamente.”
Ricardo Coimbra, mestre em Economia
Indagado sobre qual análise poderia ser feita da reforma tributária brasileira com modelos de outros países, Ricardo Coimbra diz que, no Brasil, a carga tributária é relativamente alta, com menor retorno pra sociedade. Nos países mais desenvolvidos existe uma carga tributária muito mais progressiva, principalmente em relação a renda, e no Brasil uma regressão da tributação.
O pobre que tem uma renda mais baixa acaba pagando muito mais – explica o economista. “Você faz com que o pobre, aquele que tem o nível de renda mais baixo, acabe pagando muito mais, uma vez que parte significativa dessa tributação é sobre o consumo. Então, quando o nível de tributação é muito elevado sobre o consumo, acaba gerando uma tributação maior sobre aqueles que ganham menos”.
Ele chama atenção para o papel dos estados e municípios na implementação da reforma, que é justamente na parametrização de todo o sistema, conforme está no cronograma da reforma. De um modo geral, na busca de integração dos seus sistemas, como Secretarias de Finanças, de Secretarias de Fazenda de estados que sejam atingidos os prazos no processo de implementação.
“É interessante também o papel da câmara de negociação, porque a gente sabe que vão ter estados e municípios com maior impacto de maior crescimento e outros de menor tributação de recebimento, tributação em relação a reforma. Deve haver uma discussão desse balanceamento, de peso na negociação, para que ocorra calibragem dos tributos. O desafio é justamente nos passos do processo de implementação de um modo geral, na discussão dessa calibragem. Cito, ainda, a possibilidade no médio e no longo prazo rediscutir peso do imposto seletivo e mais pra frente a implementação de coisas relacionadas principalmente com a reforma do imposto de renda.”
Ricardo Coimbra, mestre em Economia
Sobre as implicações econômicas a curto, médio e longo prazo da reforma tributária, Ricardo Coimbra entende que estão muito mais relacionadas com a praticidade dos processos em função dessa simplificação tributária, pois à medida que tem uma melhor simplificação tributária, “você gera para um investidor uma melhor visualização daquilo que ele vai efetivamente pagar de tributo, de como esses tributos serão estruturados e de como isso vai gerar um cenário das contas públicas também. Então isso acaba gerando um impacto positivo sobre o desenvolvimento da atividade econômica”.
Para finalizar, o professor Ricardo Coimbra informa que outras mudanças que estão em discussão vão ser somadas à reforma tributária, como a tributação sobre renda e patrimônio, a atualização da tabela, com isenção para os que ganham até cinco mil reais e o índice para os que ganham acima de cinquenta mil reais). “Provavelmente, isso daí vai ser necessário para diminuir o peso da cobrança tributária, da carga tributária daqueles que ganham menos. E isso acontecendo gera uma capacidade de consumo maior numa parcela muito significativa da população, o que acaba por gerar um efeito positivo sobre o crescimento da atividade econômica, fazendo com que as pessoas tenham maior capacidade de consumo e de poupança”.
Para o presidente da Câmara Brasil Portugal e sócio fundador da Aveiro Consultoria, Raul dos Santos (foto), o que tramitou no Congresso e depois foi sancionado pelo presidente da República diz respeito à tributação sobre consumo, a parte mais fácil de todo o processo. Agora, a próxima etapa é mais delicada, pois trata da tributação da renda. “É algo que realmente afeta a todos. Não que o consumo não afete, mas acho que o grau de sensibilidade da tributação da renda, de mexer com isso, é algo delicado. O mercado está esperando com grande expectativa qual é o rumo que vai tomar essa questão da definição das alíquotas de tributação de renda”.
A reforma, em termo de acerto, conseguiu simplificar um pouco mais essa questão dos impostos, mas ele prefere aguardar como é que vai ficar a tributação sobre a renda pra tentar entender a reforma como um todo, como um conjunto, porque também não adianta simplificar consumo e complicar sobre a renda. “Eu acho que a gente tem que aguardar um pouco mais, tem que ser um pouco mais precavido para olhar a reforma como um todo, na sua amplitude”, frisa.
Não adianta fazer reforma, melhorar a eficiência do país, no que diz respeito a cobrança de impostos, se esses não vêm como retorno pra população. O principal ponto de uma reforma tributária é simplificar a forma de cobrar os impostos e, acima de tudo, trazer o retorno desses impostos para o bem-estar da população. Muitas vezes a população não se incomoda de pagar imposto mais alto, desde que ela perceba os benefícios que ela está recebendo. É fazer a reforma tributária para que o uso desses impostos se torne mais eficiente. Para Raul, o grande segredo é simplificar imposto e usar corretamente.
Sobre as implicações sociais da reforma tributária, Raul dos Santos acredita que, pela expectativa de todos, o governo, de fato, vai privilegiar muito o social, o que é bastante evidente pela política que está em vigor, uma vez que, “teoricamente, um governo de esquerda tende a olhar mais para o social. Mas isso pode ser um pouco enganoso, uma vez que o governo pode olhar demais para o social sem se preocupar com as contas públicas no médio e longo prazo, o que pode causar um efeito bumerangue”.
Ele observa que pode existir uma “melhora” para as classes sociais mais baixas no curto prazo, o que pode não se sustentar durante muito tempo, gerando um ambiente pior ainda “lá para frente”. Para Santos, qualquer que seja o caminho da reforma tributária, a parte social não pode ser pensada no curto prazo, mas sim no longo prazo. “E isso é uma dificuldade muito grande, porque no Brasil a interferência política é muito grande no dia a dia do cidadão. O Estado é muito presente. Não que esteja fazendo aqui uma alusão ao liberalismo, mas as coisas têm que ser pensadas mais no longo prazo. Nem que no curto não gere tanto benefício, mas o importante é que o longo prazo tenha boa perspectiva”.
“O maior desafio pra implementação da reforma é ter uma boa aceitação popular. O momento atual do governo não é tão bom, porque você tem aí o déficit estourado; a meta de inflação estourada… então, a percepção geral é de que o governo não está indo tão bem. Claro, que você não pode avaliar o governo só por duas, três coisas. E também tem a questão de composição política, porque, infelizmente, o governo não tem maioria no Congresso pra aprovar as coisas do jeito que quer e aí tem que sentar pra negociar com diversas outras frentes parlamentares, inclusive o centrão. Quem não tiver o apoio do centrão, ou parte dele, não consegue aprovar as reformas. Então, é um desafio muito grande conciliar os interesses diversos.”
Raul dos Santos, sócio fundador da Aveiro Consultoria
E conciliar tais interesses, de empresários e trabalhadores, é um grande desafio. Ele observa que hoje, no Brasil, cresceu muito o número de pequenos empreendedores, por exemplo. “O número de pessoas que depende apenas de um emprego com carteira assinada diminuiu porque atualmente você tem o empreendedor do Uber, tem o empreendedor da pequena farmácia de bairro, tem o empreendedor que cuida de prestação de serviço”. Nas comunidades de mais baixa renda, o empreendedorismo cresceu muito – frisa, acrescentando que é para a classe menos favorecida que o governo tem de olhar de uma forma bem especial, pois é essa classe que talvez vá surpreender e mais impulsionar o País em termo de negócio.
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