O setor educacional está despreparado para uma integração ética e pedagógica da inteligência artificial, que está em rápida evolução. O alerta é da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) que, preocupada com tal realidade, tem proposto estratégias que podem ser adotadas pelos Ministérios da Educação em todo o mundo.
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O objetivo é apoiar os educadores nesta tarefa e implementar metodologias de padrão internacional nas instituições de ensino. No final do ano passado, a UNESCO lançou a primeira “Orientação global sobre IA Generativa na Educação e na Investigação”, que busca abordar as disrupções advindas pelas tecnologias de IA generativa.
A UNESCO garante que “a integração das ferramentas de inteligência artificial generativa na educação precisa ser regulamentada pelos governos”. A publicação da Organização “estabelece sete passos que os governos devem tomar para regular a IA generativa, tendo em vista o uso ético em instituições de ensino e a adoção de padrões de proteção de dados e privacidade”. A Entidade, inclusive, defende um limite de idade de 13 anos para o uso de ferramentas de IA em sala de aula e pede formação de professores sobre o tema.
De acordo com a UNESCO, embora o ChatGPT tenha alcançado 100 milhões de usuários ativos mensais (dados de janeiro de 2023), somente um país tinha criado regulamentação sobre IA. A agência considera que o setor educacional está, em grande parte, despreparado para a integração ética e pedagógica dessas ferramentas em rápida evolução. Uma pesquisa global recente da UNESCO com mais de 450 escolas e universidades revelou que menos de 10% delas tinham políticas institucionais e/ou orientação formal sobre o uso de aplicações de IA generativa.
Em grande parte, a realidade se deve à ausência de regulamentações nacionais. Em junho de 2023, a agência alertou que o uso de IA generativa nas escolas estava sendo implementado em um ritmo muito rápido, sem o devido debate público, verificações ou regulamentações.
A UNESCO sugere cinco benefícios que podem ser alcançados pelo uso rigoroso da tecnologia:
1. Promover inclusão, equidade e diversidade linguística e cultural;
2. Garantir um certo grau de alfabetização tecnológica, que será crucial para o futuro dos jovens;
3. Oferecer análises com base em uma ampla fonte de dados, incentivando a pluralidade de ideias;
4.Testar hipóteses com maior agilidade, o que pode levar os jovens a pensar em propostas de soluções eficazes para os problemas dos locais onde vivem;
5. Melhorar a qualidade da interação entre professores e alunos, com base na redução de tarefas repetitivas.
Uso da IA na educação no Brasil está em fase de expansão
O uso da IA na educação é irreversível, muito embora no setor educacional brasileiro ainda esteja em fase de expansão. Ela veio para revolucionar a educação como nunca antes ocorreu. É o que afirma o professor Machidovel Trigueiro Filho (foto), vice-diretor da Faculdade de Direito da UFC, coordenador do Centro de Referência em Inteligência Artificial da UFC (Cria), Pós Doutor na USP/SP, professor visitante na FIU/EUA e professor Pesquisador em STANFORD/EUA, eleito o “Empreendedor Digital do Ano no Brasil” pela Associação Brasileira de Startups e a Startup Brasil.
Machidovel Trigueiro observa que, apesar de algumas escolas e universidades já utilizarem inteligência artificial para personalizar o aprendizado e otimizar processos administrativos, a adoção ainda enfrenta barreiras, como a falta de infraestrutura tecnológica, desigualdade de acesso e formação insuficiente de professores para o uso dessas tecnologias. Para ele, esse é um processo que está em expansão no Brasil, notadamente pela participação de importantes startups educacionais no cenário nacional.
“A IA na educação é irreversível e será cada vez mais integrada ao ensino, possibilitando aprendizado totalmente personalizado, análises preditivas para identificar dificuldades dos alunos antes que elas se tornem problemas graves, holografia e simulações imersivas para aprendizado prático, ensino inclusivo com tecnologias que atendam a diferentes necessidades e deficiências e uma tendência de aprendizado constante. Em outras palavras, um aprendizado ao longo da vida, permitindo que a IA acompanhe o progresso do indivíduo desde a infância até a vida adulta.”
Machidovel Trigueiro Filho, coordenador do Cria/UFC
Introdução da educação enfrenta desafios
A diretora da Academia da Faculdade INBEC, Odecília Barreira (foto), garante que o uso da inteligência artificial (IA) no setor educacional no Brasil é promissor e está em processo de consolidação, trazendo transformações significativas em diversos campos, incluindo a educação. Sua introdução no ambiente educacional, no entanto, apresenta desafios, como a adaptação ao modelo tradicional de ensino-aprendizagem, ao mesmo tempo em que oferece um espaço inovador, interativo e propício à troca de conhecimentos entre professores e alunos.
Ela observa que a IA proporciona oportunidades para personalizar o aprendizado, automatizar tarefas administrativas e ampliar o acesso ao ensino, mas sua implementação ainda enfrenta obstáculos, como infraestrutura inadequada, resistência por parte de instituições e profissionais da educação, além da necessidade de uma legislação específica para regulamentar seu uso.
Odecíliaressalta, no entanto, que, embora essas tecnologias tragam benefícios, há também preocupações em relação ao uso excessivo, que pode gerar uma dependência que prejudica o desenvolvimento do pensamento crítico e criativo, afetando negativamente as interações sociais, especialmente em atividades colaborativas.
A diretora entende que o futuro da inteligência artificial na educação promete ser cada vez mais integrado e inclusivo, com destaque para a personalização do ensino em larga escala, onde ferramentas de IA ajustam planos de estudo com base no progresso individual de cada aluno. Além disso, o uso de dados para prever resultados educacionais será essencial para identificar lacunas no aprendizado e antecipar intervenções.
O ensino híbrido e remoto também será aprimorado, combinando IA com metodologias tradicionais para oferecer experiências mais flexíveis e adaptativas. A capacitação constante de educadores e estudantes será fundamental, preparando-os para as demandas do mercado de trabalho do futuro. Por fim, o avanço da IA deve priorizar ferramentas mais inclusivas e acessíveis, garantindo que todos tenham acesso igualitário às mesmas oportunidades educacionais – frisa.
“Entre os países que mais utilizam a inteligência artificial na educação estão os Estados Unidos, China, Reino Unido, Singapura e Coreia do Sul. Esses países têm investido em plataformas de aprendizado adaptativo e iniciativas que integram IA em currículos educacionais para promover inovação e acessibilidade. No Brasil, embora o uso da IA na educação ainda esteja em processo de consolidação, há avanços importantes, como o desenvolvimento de ferramentas para personalização do ensino, tutores virtuais e plataformas de ensino remoto. No entanto, os desafios de desigualdade de acesso, infraestrutura precária e falta de capacitação docente ainda limitam o pleno aproveitamento dessas tecnologias, reforçando a necessidade de políticas públicas e investimentos direcionados.”
Odecília Barreira, diretora da Academia da Faculdade INBEC
Especialista destaca questão ética
O educador Teixeira Junior (foto), CEO da Edukkare PedTech e CSO da [AI]Racema, diz que uma das questões que não podem ser esquecidas quando se aborda o uso da IA diz respeito a ética. “A chamada ‘corrida do ouro’ das edtechs e da IA não pode desviar o foco das preocupações éticas, que devem permanecer no centro das discussões” – entende.
Para ele, as questões éticas relacionadas à inteligência artificial no ensino devem ser uma prioridade para o desenvolvimento sustentável de qualquer iniciativa ou tecnologia educacional. Teixeira Júnior informa que costuma citar a OCDE e acessar documentos consolidados por pesquisas responsáveis.
Com base nisso, “considero fundamental mencionar o Instituto para a Ética da IA na Educação, que destaca os seguintes pontos: Privacidade de dados – proteger e garantir o uso adequado dos dados dos alunos pelas plataformas de IA; Viés algorítmico – monitorar e corrigir possíveis preconceitos presentes nos algoritmos, que podem ser refletidos ou amplificados pelos dados de treinamento; e Transparência e pertencimento – as decisões e processos baseados em IA devem ser compreensíveis para os educadores, promovendo confiança e participação”.
E vai mais além, citando ser importante observar o letramento digital: promover competências tecnológicas alinhadas à Base Nacional Comum Curricular (BNCC); inclusão digital: garantir acesso equitativo, especialmente em áreas vulneráveis; segurança de dados: proteger informações sensíveis; alinhamento ao currículo: integrar IA para fortalecer objetivos educacionais; e formação contínua de professores: oferecer suporte pedagógico e tecnológico.
“Na educação, o desafio é oferecer ferramentas acessíveis que conectem estudantes a oportunidades de emprego, enquanto na educação infantil, o foco está na criação de ambientes seguros e acolhedores, onde a IA seja uma ponte para o desenvolvimento integral da criança. Esses desafios reforçam a necessidade de colaboração ética entre educadores, gestores e empresas de tecnologia.”
Teixeira Junior, CEO da Edukkare PedTech e CSO da [AI]Racema
Sobre as principais tecnologias para a educação, ele informa que o mercado educacional brasileiro está sendo transformado por tecnologias que personalizam o aprendizado, aumentam o engajamento dos alunos e otimizam o trabalho dos professores. “São algumas das inovações com potencial para melhorar índices de aprendizagem, complementar práticas pedagógicas e valorizar o papel do educador, oferecendo a ele mais tempo para interações significativas com os alunos”.
Entre as soluções mais relevantes, Teixeira destaca:
- Reading Coach (Microsoft Education): Focada em habilidades de leitura, oferece feedback em tempo real e insights para professores;
- Khanmigo (Khan Academy): Tutor inteligente que reforça conceitos de forma personalizada, alinhado à BNCC;
- Jovens Gênios: Ferramenta brasileira premiada, combina aprendizado adaptativo e gamificação para avaliações personalizadas;
- Letrus: Focada no desenvolvimento da escrita, utiliza IA para análises detalhadas e feedbacks automatizados;
- Teachy: Facilita o planejamento pedagógico, simplificando processos como criação e correção de atividades com IA.
Indagado sobre os casos de sucessos do uso da IA na educação, Teixeira júnior é enfático: os avanços se destacam em projetos de pesquisa e aplicações práticas, mostrando impactos concretos na aprendizagem, inclusão e transformação pedagógica. E cita alguns casos abaixo:
Pesquisa: AIED Unplugged e o NEES – liderado pelo professor Seiji Isotani e pelo Núcleo de Excelência em Tecnologias Sociais (NEES), é um exemplo notável de como a IA pode capacitar professores e beneficiar alunos. Com mais de 250 mil estudantes impactados, o projeto utiliza IA e smartphones para avaliações eficientes e intervenções pedagógicas. Além disso, promove políticas públicas que ampliam o acesso à tecnologia em regiões remotas, fortalecendo a equidade na educação pública brasileira.
Aplicação: Jovens Gênios – a plataforma brasileira Jovens Gênios, que combina gamificação e aprendizado adaptativo, engaja alunos do 6º ao 9º ano e desenvolve habilidades alinhadas à BNCC. Implementada em redes de ensino como a de Serra (ES), a ferramenta promove um aprendizado interativo e personalizado, despertando entusiasmo nos alunos e fornecendo aos professores ferramentas para acompanhamento mais efetivo.
Iniciativa Social: Sistemas tutores inteligentes do NEES – O NEES desenvolveu soluções como o Math-Aids, para o ensino de matemática, e um projeto adaptado de física voltado para escolas com infraestrutura limitada. Ambas as ferramentas utilizam IA generativa para criar questões personalizadas e funcionam offline, beneficiando escolas rurais e comunidades carentes. Esses sistemas de tutores inteligentes, apoiados pela Fundação Itaú, promovem uma educação mais acessível e equitativa, com impacto direto em regiões vulneráveis.
“Esses são alguns casos que demonstram um uso assertivo e responsável da IA, evidenciando que quando essas tecnologias são aplicadas com ética e estratégia, não apenas transformam o ensino, mas também reduzem desigualdades, fortalecem políticas públicas e ampliam horizontes educacionais em todas as etapas da educação. Destacar esses exemplos reforça a importância de aliar tecnologia ao papel insubstituível do educador, garantindo impacto significativo e humano no aprendizado.”
Teixeira Junior, CEO da Edukkare PedTech e CSO da [AI]Racema
Assim como os demais entrevistados, Teixeira Junior concorda que o uso da inteligência artificial no setor educacional brasileiro está em transição, saindo da fase de novidade para um entendimento mais profundo e responsável de seus benefícios e riscos. Esse movimento, antes concentrado nas mãos de desenvolvedores, agora envolve gestores, professores e famílias, promovendo escolhas mais conscientes.
A IA – acrescenta – tem sido integrada ao contexto educacional por meio de aplicativos e plataformas que personalizam o ensino, promovem a equidade, realizam avaliações em larga escala e reduzem a carga de trabalho de professores, uma necessidade evidenciada durante a pandemia. Um exemplo é a implementação de IA em escolas de educação infantil para criar jornadas interativas, com ferramentas que monitoram o desenvolvimento socioemocional e ajudam professores a acompanhar o progresso individual de cada criança.
“Minha experiência em projetos que impactaram mais de 5 mil escolas e contribuíram para a melhoria do Ideb reflete o potencial da IA. Segundo a OCDE, sistemas educacionais que utilizam IA de forma responsável podem reduzir desigualdades e criar oportunidades mais inclusivas. Esse progresso, embora desigual, está avançando no Brasil” – garante.
Sobre o futuro da educação na era da IA, ele acredita que “essa mudança nos convida a refletir sobre a IA como um meio poderoso, mas não como o protagonista central. O futuro da educação na era da IA traz a promessa de personalização do ensino, ampliação do acesso e transformação da aprendizagem em escala global. Porém, esses avanços só farão sentido se alinhados a valores humanos e sustentados por políticas que priorizem inclusão, equidade e ética”.
Para isso, é essencial uma abordagem colaborativa, unindo governos, educadores, desenvolvedores e a sociedade para criar diretrizes éticas, capacitar professores e alunos e desenvolver ferramentas acessíveis – opina. Para finalizar, observa: mais do que a IA pode fazer pela educação, devemos nos perguntar que educação queremos construir na chamada Era da IA. A resposta a essa pergunta definirá o impacto duradouro da IA na educação e na sociedade.
Senado aprova marco regulatório, que volta à Câmara
No último dia 10, o Senado aprovou o projeto que regulamenta a inteligência artificial (IA) no Brasil, que agora segue para análise da Câmara dos Deputados. O texto se apresenta como um marco regulatório com regras para o desenvolvimento e o uso de sistemas de IA. Entre os dispositivos está um que prevê a proteção dos direitos dos criadores de conteúdo e obras artísticas, segundo informa a Agência Senado. Vale observar que é um Marco Regulatório Geral, que vai ser usado para definir questões voltadas para o setor educacional.
O texto aprovado é um substitutivo do senador Eduardo Gomes (PL-TO), que tem como base o PL 2.338/2023, projeto de lei apresentado por Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. E esse projeto, por sua vez, surgiu a partir de um anteprojeto elaborado por uma comissão de juristas. O substitutivo também engloba dispositivos sugeridos em outras sete propostas — inclusive no PL 21/2020, já aprovado pela Câmara dos Deputados — e em dezenas de emendas de diversos senadores.
O texto divide os sistemas de inteligência artificial (IA) em níveis de risco, oferecendo uma regulamentação distinta para os de alto risco, a depender do impacto do sistema na vida humana e nos direitos fundamentais. Também proíbe o desenvolvimento de aplicações de IA que apresentem “risco excessivo”. Essas classificações também estiveram entre os dispositivos que geraram controvérsias nos debates da comissão temporária.
ABMES constata crescimento do uso da IA
Pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (ABMES), em conjunto com a Educa Insights, revela, dentre outros dados, que o número de universitários e futuros estudantes que possuem conhecimento sobre IA cresceu de 69% em 2023, para 80% em 2024.
E mais: sete a cada 10 estudantes universitários ou que têm interesse em cursar uma faculdade utilizam frequentemente ferramentas de inteligência artificial na rotina de estudos. O estudo também apresentou um aumento no uso dessa tecnologia entre os alunos universitários.
A pesquisa, realizada julho de 2024 e divulgada em agosto, contou com 300 estudantes universitários que ingressaram na faculdade entre o fim de 2023 e início de 2024. E também com estudantes que têm interesse em uma graduação particular, com idades entre 17 e 50 anos, das cinco regiões do país.
A Abmes observa que a aprovação do Marco Regulatório da Inteligência Artificial no Senado trouxe um debate para especialistas, sobretudo, em como essa regulamentação vai contribuir para o desenvolvimento dessa tecnologia no ambiente escolar e acadêmico.
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