Acordo entre partes pressupõe equilíbrio de interesses. O mesmo se aplica nas relações comerciais entre países, caso do Acordo de Integração Mercosul-União Europeia, cujas negociações foram concluídas em junho de 2019, integrando o comércio dos quatro países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) com os 27 da União Europeia. O tratado soma quase 720 milhões de pessoas e economias que juntas movimentam US$ 22 trilhões.
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Projeções da Comissão Europeia apontam que o bloco europeu pode experimentar um aumento de 15 bilhões de euros com o acordo e de 11 bilhões de euros ao Mercosul. Para o Brasil, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) calculou um incremento anual que pode chegar a 0,46% em 2040, com crescimento adicional de 3% ao ano nas exportações e importações e alta de 1,49% na atração de investimentos.
Ganhos e perdas
Os maiores beneficiados são os setores exportadores, como o agronegócio brasileiro, que representa quase 50% de todos os embarques nacionais para todos os continentes, sendo que os países europeus são o segundo maior parceiro comercial, respondendo por US$ 92 bilhões da corrente de comércio com o Brasil. Também os consumidores brasileiros deverão ter a vantagem de acesso a produtos europeus mais baratos. Já entre os perdedores potenciais estão as pequenas e médias empresas industriais, que enfrentam dificuldade para competir, da mesma forma que aqueles setores dependentes de subsídios estatais.
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O economista do Corecon Ceará, doutorando da universidade da Amazônia (Unama), Álvaro Carvalho (foto), entende que o aumento da integração comercial entre o Mercosul e a União Europeia envolve regiões com peso econômico significativo, elimina ou reduz tarifas sobre bens e serviços, fortalece o comércio bilateral e promove um reposicionamento geopolítico, porque pode funcionar como contrapeso às influências de economias como China e EUA.
Ele sabe, também, que há pontos positivos e negativos que desafiam o acordo, a começar pela assimetria econômica, dadas as desvantagens tecnológicas e estruturais do Mercosul em relação à UE. Especialista em relações internacionais, o professor destaca entre os prós o acesso preferencial aos exportadores brasileiros, a valorização dos produtos agrícolas, notadamente carne e grãos, e estímulo à competitividade que força a modernização das empresas para atuação global.
Baixa competitividade
Nos pontos contrários, as indústrias brasileiras podem sofrer com produtos manufaturados europeus mais competitivos, gerando concorrência desleal. “Também poderá haver restrições impostas pela UE nas regras ambientais que podem resultar em custos adicionais e dificuldades de cumprimento”, alerta. Ele acrescenta a resistência interna como outro item negativo, prevendo que movimentos sociais e setores industriais apontam para possíveis prejuízos locais.
O fato é que as indústrias do Mercosul ainda enfrentam deficiências estruturais, como custos logísticos elevados e falta de inovação. Porém, o professor está convicto de que “para empresas que se adaptarem às normas europeias, há espaço para crescimento. É possível transpor os riscos e transformá-los em oportunidades, gerando potenciais ganhos econômicos”, afirma.
Impactos geopolíticos e relações internacionais
Fortalecimento do Mercosul: O acordo posiciona o bloco como parceiro relevante em negociações globais.
Tensão com outras potências: Pode afetar as relações com China e EUA, que têm interesses no Mercosul.
Reforço da diplomacia multilateral: Promove maior diálogo e cooperação entre os blocos.
Novos acordos em curso
Para Arthur Pimentel (foto), presidente do Conselho de Administração da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), embora tenha havido avanços, há um entendimento que os dois blocos precisam de um piso bem pavimentado para trilhar o caminho do crescimento e gerar recursos relevantes. “Apesar do advento Trump, com expectativas de aplicações de tarifas comerciais protecionistas, o acordo aparece como algo necessário para dar oxigênio sobre os aspectos comerciais e geopolíticos para uma Europa receosa de ficar em segundo plano, em termos tecnológicos, econômicos e de poderio militar”.
A seu ver, foram abertas novas possibilidades de acordos comerciais, ampliação de tratados existentes e tentativas de novas negociações. É o caso da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) e Emirados Árabes, o acordo com Singapura, que deve entrar em vigor neste ano, a parceria com o México, com o acordo de complementação econômica com o Mercosul que, além de incluir cerca de 800 produtos, prevê um pacto automotivo muito importante para Mercosul e Brasil.
“Apesar do advento Trump, o acordo aparece como algo necessário para dar oxigênio sobre os aspectos comerciais e geopolíticos para uma Europa receosa de ficar em segundo plano.”
Arthur Pimentel, presidente do Conselho de Administração da AEB
Para a AEB, as negociações oficiais com Coreia do Sul, Vietnã, Indonésia e Líbano apontam para abertura de novas frentes.
Novas oportunidades
Michel Alaby (foto), diretor da Câmara de Comércio, Indústria e Serviços do Brasil (Cisbra), também acha que a política de Donald Trump de aumentar as tarifas de importação em relação à China, pode representar uma oportunidade para o Brasil e para os próprios países do Mercosul com relação a aumento das exportações de commodities para a China e para países europeus. “O mundo mudou e as exigências ambientais, como o combate ao desmatamento, os efeitos do gás carbônico no combate à poluição e as novas políticas de governança corporativa são temas da agenda para os próximos anos”, sentencia.
Alaby destaca como pontos fortes os produtos do agronegócio amplamente exportados pelo Brasil (soja, milho, carnes de frango, carnes bovinas, mel, café, entre outros). Contrário ao Brasil, ele destaca o setor automotriz, com abertura gradual para a importação de veículos, o setor da indústria farmacêutica e na área de serviços, abrindo o mercado brasileiro para empresas construtoras europeias.
Em relação às carnes bovinas, o Uruguai e a Argentina levarão vantagens adicionais em função da Cota Hilton (filet mignon). No que se refere ao milho e à soja, o Brasil, a Argentina e o Paraguai poderão aumentar suas exportações para os países europeus.
Quanto à manufatura e à tecnologia, há possibilidade de joint ventures com empresas brasileiras para transferência de tecnologia. “Vejamos o caso da Embraer com joint venture com empresas americanas e europeias”, exempliifica. Na indústria farmacêutica, também prevê grandes possibilidades de transferência de tecnologia, principalmente na fabricação de vacinas para dengue, chikungunya, entre outras doenças.
Na avaliação do Conselho de Relações Internacionais (CIN) da Federação das Indústrias do Ceará (FIEC), presidido por Ana Karina Frota (foto), depois de mais de duas décadas de tratativas chegou-se a um dos maiores acordos bilaterais de livre comércio do mundo e que “traz compromissos inovadores, diante dos desafios do contexto econômico internacional”. Karina alerta que agora falta a preparação dos textos para posterior assinatura e ratificação.
Impactos para o agronegócio
Para a Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), a expectativa é de um gradual incremento do PIB. Especificamente para o agronegócio, em 10 anos, a UE deve isentar em mais de 80% as importações agrícolas do Mercosul e dar acesso preferencial com menor tarifa a diversos produtos como frutas, peixes, suco de laranja, óleos vegetais entre outros produtos. Já as carnes bovina e suína terão um valor estabelecido por cotas, assim como o açúcar e o etanol.
Segundo o vice-presidente da ABAG, Ingo Plöger, agora existe um esquadro jurídico que facilita o andamento de pautas futuras de cooperação entre blocos democráticos que apostam na livre iniciativa em um mundo cada dia mais protecionista.
As barreiras
Com a expectativa de tarifas reduzidas e maior acesso aos mercados europeus, a exportação de grãos, carnes e outros produtos agrícolas tende a crescer expressivamente, na visão do especialista Felipe Jordy, coordenador de inteligência e estratégia da Biond Agro. Por outro lado, entretanto, há preocupações quanto às exigências ambientais impostas pelo bloco europeu, que podem representar barreiras para os produtores brasileiros, especialmente em relação ao desmatamento e à rastreabilidade da produção. Além disso, o setor enfrenta desafios estruturais como a competitividade logística e os custos de adequação aos padrões internacionais.
Para o advogado especializado em Direito Empresarial, Emanuel Pessoa, professor da China Foreign Affairs University, a redução de tarifas de importação para mais de 90% dos produtos comprados pelo Brasil da União Europeia poderá beneficiar o consumidor brasileiro, especialmente no setor de alimentos e bebidas. Produtos como vinhos europeus, atualmente sujeitos a taxas superiores a 20%, e o azeite, por exemplo, tendem a chegar ao mercado com preços mais acessíveis, ampliando a oferta, além de impulsionar e qualificar o consumo.
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