Biotecnologia + IA aliadas pela vida

Por: Gladis Berlato | Em:
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No longo prazo, espera-se uma redução nos elevados custos envolvidos, especialmente considerando-se que a inteligência artificial chega como uma aliada da biotecnologia a serviço da vida. (Foto: Envato Elements)

Que a biotecnologia está revolucionando a medicina já é sabido. Assiste-se a inovações na engenharia genética, nos medicamentos biológicos com destaque ao desenvolvimento mais acelerado de fármacos, kits de diagnósticos e de vacinas (vide recente pandemia de Covid-19).


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Há progresso nos testes genéticos e nos diagnósticos moleculares mais precisos e precoces trazendo benefícios à saúde humana tais como prevenção a doenças, maior eficácia nos tratamentos a patologias incuráveis e remédios com menores efeitos colaterais.

No longo prazo, espera-se uma redução nos elevados custos envolvidos, especialmente considerando-se que a inteligência artificial chega como uma aliada da biotecnologia a serviço da vida.

Para que os benefícios da biotecnologia e inteligência artificial sejam inclusivos e lineares é preciso políticas públicas de incentivo que permitam investimentos em pesquisa e na habilitação de profissionais, além de regulamentação segura.

O que é biotecnologia?

É a manipulação de organismos vivos, células e moléculas biológicas, com a utilização de ferramentas e técnicas, que geram produtos e serviços voltados à melhoria da saúde humana.

Novos modelos de IA

Como a Inteligência Artificial está sendo incorporada aos processos biotecnológicos? A pronta resposta vem do PhD e pesquisador Líder em Design de Proteínas do Laboratório de Biociências (LNBio), Helder Veras Ribeiro Filho (foto). O crescente volume e a preocupação com a produção e o armazenamento de dados biológicos têm permitido a expansão da IA na área da saúde humana, com o desenvolvimento de novas terapias e diagnósticos de doenças.

Modelos de IA vêm sendo amplamente utilizados na indústria e em centros de pesquisa para a caracterização e identificação de proteínas relacionadas a doenças (alvos terapêuticos), que poderão gerar novos medicamentos. Helder Filho cita que uma das grandes contribuições recentes da IA foi o desenvolvimento do AlphaFold pela equipe do DeepMind do Google, reconhecida com o Prêmio Nobel de Química em 2024. “A ferramenta foi desenvolvida a partir de um banco de dados com milhares de estruturas 3D de proteínas determinadas em laboratório ao longo de décadas e agora permite prever a estrutura 3D de novas proteínas, como as relacionadas a doenças, a partir apenas de sua sequência de aminoácidos, impulsionando o desenvolvimento de novas terapias”, explica. 

Polo biotecnológico

Os Estados Unidos se destacam como um polo em expansão de biotechs. É o caso da Adaptive Biotechnologies, que tem como foco uma plataforma médica baseada na caracterização e exploração do sistema imunológico com fins terapêuticos, e a Absci, que desenvolve anticorpos por meio de IA e técnicas computacionais para tratar doenças, reduzindo o tempo para desenvolver novas terapias e aumentando suas chances de sucesso. 

Há, ainda, o hub existente na Universidade de Washington (Seattle) para a criação de novas proteínas utilizando métodos computacionais e de IA, impulsionando a formação de empresas de biotecnologia. A PvP Biologics desenvolveu uma enzima capaz de degradar o glúten em pacientes celíacos e que foi adquirida pela Takeda Pharmaceuticals, uma grande biotech do setor farmacêutico. Ainda, a Icosavax, desenvolvedora de vacinas, foi adquirida pela AstraZeneca. “Apesar de existirem bancos de dados e modelos de IA públicos, a maioria das grandes biotechs desenvolve e utiliza seus próprios modelos de IA, treinados em bancos de dados exclusivos”, explica Helder Filho. 

Inovações e prática

Na área biotecnológica denominada design de proteínas, onde Helder atua, a IA vem permitindo a criação bem-sucedida de novas proteínas capazes de desempenhar funções específicas. “É possível planejar anticorpos que neutralizem a ação de um vírus ou melhorem as propriedades de proteínas, como aumentar a estabilidade de um medicamento biológico para permitir seu armazenamento em temperatura ambiente”, exemplifica. 

Pesquisas inovadoras vêm sendo conduzidas em universidades e institutos públicos, como a Fiocruz e o Butantan. No LNBio (CNPEM), o grupo coordenado pelo pesquisador quer desenvolver e aplicar modelos de IA para criar novas proteínas que possam ser usadas no tratamento de doenças.

Um dos projetos em andamento, cofinanciado pelo Instituto Serrapilheira e pela FAPESP, busca criar proteínas por meio da IA que possam ser utilizadas pelas células humanas de defesa, os linfócitos, para reconhecer células tumorais de forma específica e destruí-las. 

Medicina sob medida

Para o médico Rafael Kenji Hamada (foto), CEO da FHE Ventures e HealthAngels Venture Builder, o grande destaque é o uso da IA para o avanço da saúde digital, que tem como base os 4Ps da saúde digital: preventiva, preditiva, participativa e personalizada. “Cada vez mais estaremos mais próximos de uma tecnologia que se adequa às demandas de cada paciente, com uma jornada personalizada”, acredita ele, onde cada paciente terá seu próprio protocolo, com um acompanhamento individualizado e adaptado em tempo real, para a produção de vacinas e medicamentos individuais, para cada paciente, de acordo com a resposta da terapia.

O especialista em inovação em saúde e fundador da edtech Academy Abroad cita o Tempus Labs, que desenvolveu uma IA para personalizar tratamentos de câncer, reduzindo a taxa de erro em diagnósticos. Já a empresa Grail criou um exame de sangue baseado em IA para detectar câncer em estágio inicial, antes dos sintomas aparecerem.

Certo de que a integração entre IA e biotecnologia está revolucionando a medicina, a indústria farmacêutica e a produção de insumos, além de alimentos, ele destaca que “com o uso de Big Data e IA, estamos avançando para uma medicina personalizada, onde tratamentos podem ser ajustados de acordo com o perfil genético e histórico clínico do paciente. Isso melhora a eficácia dos tratamentos e reduz efeitos colaterais”.

O uso de biologia sintética para a sustentabilidade é um grande desafio, já que a inteligência artificial demanda um alto nível de tecnologia e gasto de fontes de energia. De acordo com Casey Crownhart, em um artigo do MIT Technology Review escrito em junho de 2024, “no limite inferior, o setor poderia exigir cerca de 160 terawatts-hora de eletricidade adicional até 2026. No limite superior, esse número pode ser de 590 TWh”. De acordo com o relatório, a IA, os data centers e as criptomoedas juntos, provavelmente irão acrescentar pelo menos uma Suécia ou, no máximo, uma Alemanha à demanda global de eletricidade.

Maiores desafios e barreiras

Para Helder Filho, a escassez de profissionais com expertise tanto no desenvolvimento quanto na aplicação de métodos de IA gera barreiras para o uso amplo da tecnologia na saúde, um problema que pode ser mitigado pela cooperação entre grupos especializados em IA e grupos com experiência na área da saúde.

Outro desafio é a disponibilidade e a qualidade dos dados. Para detectar uma doença a partir de uma imagem de raio-X via IA, é necessário um grande número de imagens e dados de alta qualidade, muitas vezes não disponíveis publicamente ou com informações insuficientes.

Os preceitos éticos também representam um desafio importante na aplicação da IA à saúde, envolvendo questões que vão desde a disponibilidade e o uso de dados pessoais até o uso indevido de predições sobre doenças futuras de um indivíduo. No contexto do design de proteínas, por exemplo, o uso de IA para a criação de novas proteínas com o intuito de causar danos à população, como no desenvolvimento de armas biológicas, tem sido constantemente discutido. 

Já Rafael Kenji lista, entre os maiores desafios, o risco de viés nos algoritmos, a responsabilidade legal em caso de erro, a transparência na tomada de decisões e a privacidade dos dados dos pacientes. Ele acrescenta, ainda, a questão da equidade no acesso à tecnologia, garantindo que a IA beneficie todas as classes sociais. A seu ver, as empresas que desenvolvem inteligência artificial na saúde precisam adotar metodologias auditáveis, com testes clínicos robustos e validação por pares. Além disso, os sistemas de IA devem ser explicáveis, permitindo que médicos entendam como uma determinada recomendação foi gerada.

E o futuro da biotecnologia?

No contexto de IA aplicada à biotecnologia, a expectativa é que, nos próximos anos, os medicamentos e terapias desenvolvidas por meio da IA sejam disponibilizados para o tratamento de doenças incuráveis.

A inserção, na área biotecnológica, de grandes companhias de IA, como a OpenAI, criadora do ChatGPT, tende a catalisar ainda mais o avanço e a aplicação prática dessas tecnologias na saúde.

Recentemente, a OpenAI divulgou que está desenvolvendo um modelo semelhante ao ChatGPT, mas que utiliza a sequência de aminoácidos de proteínas, em vez de texto, para melhorar a função de proteínas relacionadas ao envelhecimento. 

Para Rafael Kenji, a expectativa é do uso da IA para análise de dados epidemiológicos globais para prever surtos de doenças e otimizar estratégias de vacinação, com medicamentos cada vez mais eficazes e personalizados, desenvolvidos em tempo recorde.

O avanço das tecnologias pode contribuir para uma ampliação do acesso à saúde e uma otimização das estratégicas de saúde global, levando atenção em saúde, informação e cuidado para regiões carentes de recursos.

IA agêntica?

E vem aí, ainda neste ano, a IA agêntica. Agêntica? Quem aborda este tema é Rafael Brych (foto), gerente de Inovação e Marketing da Selbetti Tecnologia. Diferente das IAs tradicionais, que necessitam de supervisão humana constante, as IAs agênticas são projetadas para operar de forma independente, realizando tarefas complexas sem intervenção humana direta.

Este avanço é possibilitado por algoritmos de aprendizado profundo que permitem que os sistemas compreendam e processem grandes volumes de dados em tempo real, adaptando-se rapidamente a novas informações e contextos.

No Brasil, a adoção da IA agêntica ainda está em fase inicial. Já existem alguns setores testando o novo modelo. De acordo com uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), até 2025, cerca de 40% das grandes empresas brasileiras planejam integrar sistemas de IA agêntica em suas operações.

Bancos e instituições financeiras poderão diminuir em até 50% a incidência de fraudes com a tecnologia, segundo previsão da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). E o setor de saúde também poderá se beneficiar da nova tecnologia com a redução em 30% dos erros médicos, de acordo com avaliação da Associação Médica Brasileira (AMB). Isto porque a tecnologia é capaz de analisar prontuários médicos, resultados de exames e histórico de saúde dos pacientes para propor diagnósticos mais precisos. É questão de tempo (e de conhecimento e recursos).

Saiba mais:

A utilização da inteligência artificial na educação

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