Especialistas apontam que o melhor cenário é uma economia americana estável, mas com inflação baixa e com jutos baixos também. (Foto: Envato Elements)
Economistas ouvidos pela Plataforma TRENDS estão preocupados com as consequências que as taxas de juros elevadas nos Estados Unidos – ainda mais se ocorrerem altas nos próximos meses –, e também com a valorização do dólar, que impactam a economia dos chamados países emergentes, bem como todo o mundo.
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A preocupação é ainda mais expressiva diante da recente taxação dos americanos sobre o aço e o alumínio. E se estende ao que pode ocorrer no futuro (curto prazo), com novas medidas protecionistas (barreiras comerciais) dos EUA para os produtos importados pelo país.
Para Lauro Chaves Neto (foto), professor da Universidade Estadual do Ceará (UECE) e presidente da Academia Cearense de Economia, a política monetária americana afeta a economia de modo geral. Ele explica que, quando a taxa de juros é aumentada nos EUA atrai recursos aplicados em todo o planeta, já que o título do tesouro americano é o que tem o menor nível de risco, o que gera um fluxo que penaliza muito os países emergentes, como o Brasil e os demais países do BRICS.
O BRICS é formado por 11 países-membros – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã – e nove países parceiros – Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
Chaves Neto observa que os emergentes, por exemplo, veem parte de suas reservas, que são aplicações financeiras de fundos internacionais, de grandes investidores, saírem dos emergentes e migrarem para o título do tesouro americano. E acrescenta: o Brasil, caso queira tentar conter essa alta da taxa de juros americana, precisa aumentar ainda mais a sua, que já e elevada, a fim de oferecer o maior prêmio pelo risco e fazer com que esses capitais (investidores) julguem que vale a pena ficar no Brasil.
“Quando nós temos essa questão do câmbio, isso impacta não só a questão dos juros, mas a política cambial do mundo como um todo. Se você vai ter o fortalecimento do dólar, significa que, em maior ou menor escala, as moedas ao redor do mundo vão se desvalorizar e isso tem impactos grandes nas inflações internas dos países e no fluxo de comércio internacional, afetando a economia como um todo.”
Lauro Chaves Neto, professor da UECE
A taxação do aço e alumínio brasileiros pelo governo americano, analisa Lauro Chaves Neto, vai afetar muito o Brasil, que é um grande exportador do produto, com uma representatividade importante na pauta de exportação. Ele chama a atenção para o impacto que a taxação vai provocar na pauta de exportações do Ceará, onde está a ArcelorMittal – siderúrgica produtora de aço, aços longos e aços planos, bobinas e laminados –, localizada no Pecém, em São Gonçalo do Amarante.
A empresa, no ano passado, exportou US$ 558,5 milhões de aço e derivados, dos quais US$ 441,2 milhões, o equivalente a 79,01%, foram para os Estados Unidos. Vale observar que, em 2024, as exportações cearenses somaram US$ 1,46 bilhão, dos quais US$ 659,0 milhões para os Estados Unidos (44,88%). “Quando se tem uma sobretaxa de 25%, você vai precisar compensar isso com um ganho de produtividade, redução de custo ou buscar mercados alternativos ao redor do mundo” – frisa.
Lauro Chaves Neto entende que, para a ArcelorMittal, que é uma das maiores do mundo no seu setor, a questão é bem complexa, porque ela já tem plantas espalhadas no mundo para atender os diferentes mercados. Então, isso vai impactar a balança comercial brasileira e vai impactar muito o nível de atividade da empresa no Pecém e, consequentemente, a economia cearense.
O Professor da UECE lembra que, no comércio exterior, o Brasil é conhecido como um dos países de menor inserção no comércio internacional. E que, quando existe uma taxação, uma sobretaxa, o impacto é menor do que nos países que são totalmente voltados paro o comércio exterior, como, por exemplo, a Coréia do Sul e o Chile. Esses, que são países onde o comércio exterior tem poder, uma importância muito maior do que tem na economia brasileira.
“Mas o que isso pode mudar na geopolítica mundial é que, a partir dessas medidas que o governo americano está tomando, comece a ter uma escalada de protecionismo a nível mundial. Caso isso ocorra, vai mudar totalmente o fluxo de comércio interno e transformar totalmente a maneira que os países vão tratar. Porém, ainda é muito cedo para saber os desdobramentos dessas medidas iniciais. Só após esse desdobramento que será possível var mais claramente o impacto nas economias nacionais.”
Lauro Chaves Neto, professor da UECE
Ricardo Coimbra (foto), mestre em Economia, professor de Pós-Graduação da Unifor e membro do Comitê Consultivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), afirma que a inflação americana já vem em alta há algum tempo, provocada por queda de produção, principalmente pós-pandemia, quando ocorreu um desequilíbrio dos custos, e vem se mantendo ao longo desse tempo. Tanto isso é verdade – ressalta – que a política monetária americana é de juros num patamar alto, como já vem sendo praticado há algum tempo. O Índice de Preços ao Consumidor (CPI, na sigla em inglês) nos EUA subiu 0,5% em janeiro e em 12 meses a inflação acumulada é de alta de 3%.
Tal realidade americana influencia os preços, que são repassados no mercado mundial, o que acaba refletindo também na inflação no Brasil. Os juros nos EUA mais elevados geram uma perspectiva de valorização da moeda americana em relação a brasileira. E isso acaba desvalorizando o real.
Uma mudança na política monetária americana pode gerar efeitos, inclusive na necessidade de elevação da taxa de juros no Brasil, justamente por conta da possibilidade de migração de investimentos que estão no país e que migram para os Estados Unidos, onde o nível de risco é mais baixo.
A inflação americana – explica Ricardo Coimbra – vem sendo causada não só por problemas do setor externo, do descompasso do processo produtivo, mas também em relação a elevação dos preços das commodities no mercado mundial, que acaba refletindo também no mercado local. E à medida que o dólar vai se fortalecendo em relação às moedas emergentes, existe, como consequência imediata, uma certa desvalorização dessas moedas em relação ao dólar, fragilizando a economia dos países.
“Os efeitos para comércio exterior, com a moeda brasileira desvalorizada, estimulam as exportações, mas, por outro lado, acaba dificultando as importações de bens e serviços. E assim, todos os setores da atividade econômica são afetados. Os exportadores, por exemplo, naqueles que o Brasil já tem uma participação significativa, são impactos, como o da carne, do aço e do petróleo. E aqueles que o Brasil importa também acabam tendo reflexo.”
Ricardo Coimbra, professor da Unifor
Par finalizar, Coimbra reafirma que a taxação sobre alguns produtos exportados pelo Brasil para os Estados Unidos, medida já anunciada pelo governo americano, vai atingir diretamente a economia brasileira. O Brasil é um dos grandes exportadores de aço para os EUA, uma pauta significativa, representando cerca de 50% do que o Brasil exporta anualmente. Isso vai trazer certa dificuldade de comercialização desse produto e a saída é buscar novos mercados – indica.
Caso ocorra uma subida da inflação nos Estados Unidos, consequentemente haverá aumento de preços internamente. E isso pode provocar uma certa percepção de risco para o mercado, levando o governo a aumentar um pouco a taxa de juros para poder equilibrar, como instrumento político monetário. Se isso de fato ocorrer, diminui a quantidade de dólares disponíveis para o no Brasil. A análise, que coaduna com os demais entrevistados, é do presidente da Câmara Brasil Portugal, Raul Santos (foto).
O melhor cenário é uma economia americana estável, mas com inflação baixa e com jutos baixos também – opina Raul Santos, lembrando que a taxa de juros brasileira historicamente já é elevada e que, independente do patamar que esteja a de lá, existe um equilíbrio maior de atração de dólares de lá pra cá, o que é interessante. Mas nunca olhando só o curto prazo, porque também o dinheiro que vem de curto prazo pode sair a qualquer momento e esse dinheiro de caráter especulativo não é muito bom.
Sobre o que tem causado a alta da inflação nos EUA, Raul Santos ressalta que vem com problemas estruturais desde a época da pandemia, com aquele desmonte das cadeias produtivas gerais de vários segmentos, o que provocou uma certa desestabilização na oferta de produtos, na cadeia como um todo. Não só na produção como na logística pra chegar lá no consumidor final. O governo americano, desde então, vem injetando dinheiro na economia, aumentando automaticamente a possibilidade de compra dos consumidores, mas não existindo elevação tão forte na mesma proporção de produtos e serviços. E isso acaba gerando inflação.
Indagado sobre os prejuízos que podem ser causados pela alta do dólar, o presidente da Câmara Brasil Portugal é taxativo: é muito ruim para as economias emergentes, porque, queiram ou não, elas não são autossuficientes. “Aliás, é difícil você ter um país que seja autossuficiente no mundo todo. Mas um dólar muito alto, num patamar muito alto, dificulta muito o acesso a insumos, por exemplo”. Isso impacta diretamente o bolso da população como um todo, em especial a cadeia de alimentos, que é muito sensível. Isso está acontecendo agora, reflexo ainda da alta gigantesca do dólar no final do ano passado.
“É bem verdade que agora o dólar está um pouco mais baixo, mas ainda num patamar alto. Então, isso é algo pra se observar com muita atenção. A gente sempre fala que existe um dólar bom. Na minha opinião, hoje, seria um dólar na casa de R$ 4,80 a R$ 5,00. Ele tanto continuaria estimulando exportações, como também não seria muito punitivo para as cadeias que precisam de insumos de fora. Quer dizer, os importadores. O dólar nesse patamar aí, de seis ou seis e pouco ou até um pouquinho menos de seis ali, está bem elevado. E aí nesse patamar ele favorece praticamente quem mais exporta. A base estrutural da economia que precisa de insumos importados fica bem prejudicada.”
Raul Santos, presidente da Câmara Brasil Portugal
Para ele, além do dólar está alto, a política tarifária brasileira também é elevada. Então, essa combinação, câmbio alto e impostos elevados, gera um efeito em cascata muito grande pra economia como um todo. E isso é ruim. “Com um patamar de dólar alto, quem mais perde, na minha opinião, é a indústria, pois no geral ela ainda precisa de muitos insumos que vem de fora. Então, quem tiver canal aberto pra exportação vai se beneficiar com esse dólar alto. Em compensação, alguns produtos básicos, como o pãozinho, que depende do trigo, vão acabar aumentando, doendo muito no bolso do brasileiro em geral”.
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