“A economia circular não é apenas uma tendência, mas uma revolução na forma como produzimos e consumimos”. (Foto: Envato Elements)
Reutilizar, recondicionar, reaproveitar, otimizar e transformar são alguns verbos que o Brasil precisa conjugar com maior frequência para sair da quinta colocação mundial como maior gerador de lixo eletrônico e de outros resíduos. A natureza está respondendo com eventos extremos como inundações e incêndios em função da temperatura média global acima dos níveis pré-industriais.
Quer receber os conteúdos da TrendsCE no seu smartphone?
Acesse o nosso Whatsapp e dê um oi para a gente
Dados do Painel da Geração de Resíduos no Brasil, do Ibama, mostram que a indústria nacional gera mais de 100 milhões de toneladas de resíduos sólidos por ano, grande parte passível de reaproveitamento. O Brasil, no entanto, recicla apenas 4% dos resíduos sólidos recicláveis. Chile, Argentina e Turquia reciclam, em média, 16%, segundo dados da International Solid Waste Association.
A solução atende pelos nomes de conscientização e ação. Entre as tantas iniciativas de maior ou menor complexidade e impacto está a economia circular, que de acordo com a Fundação Ellen MacArthur, pode reduzir em até 45% as emissões de gases de efeito estufa relacionadas à produção industrial até 2050.
Os benefícios da economia circular:
Na visão do pós-doutor pelo Programa Cidades Globais (IEA-USP), Edson Grandisoli (foto), a economia circular reduz a pressão sobre os ecossistemas e age diretamente para o enfrentamento da emergência climática, pois colabora para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE).
“A complexidade e escala do desafio climático demandam ações urgentes e que envolvam (e garantam participação) de todos os setores das sociedades”, diz ele. Grandisoli afirma que a economia circular tem se mostrado um caminho prático, possível e necessário para aliar o desenvolvimento socioeconômico à manutenção da qualidade do clima do planeta.
Como coordenador pedagógico do Movimento Circular criado em 2020 para incentivar a transição da economia linear para a circular, ele assegura que todo recurso pode ser reaproveitado e transformado. É o conceito-base do movimento, que visa um futuro sem lixo a partir da educação e cultura, da adoção de novos comportamentos, da inclusão e do desenvolvimento de novos processos, produtos e atitudes. O Movimento Circular contabiliza hoje 5 milhões de pessoas impactadas por suas ativações e conteúdos.
No Sul, empresas com atuação global como Gerdau (aços) e Randoncorp (equipamentos para o transporte e autopeças) dão bons exemplos. Em parceria estratégica, as duas companhias irão otimizar a reciclagem de sucata metálica proveniente das operações da Randoncorp, que anteriormente a vendia por meio de leilões periódicos.
Com a implementação do novo modelo, a sucata metálica será coletada e transportada para a unidade de produção de aços especiais da Gerdau, em Charqueadas (RS). Na usina, o material é reintroduzido no processo de produção de diversos tipos de aço. A parceria também abrangerá outros resíduos industriais, com o objetivo de reduzir seu envio para aterros e maximizar seu aproveitamento no processo produtivo.
A Randoncorp passa a reciclar 10 mil toneladas de sucata anuais, o que corresponde a um terço do volume gerado em suas unidades no Brasil. Os outros dois terços, cerca de 20 mil toneladas, já são aproveitados nas fundições da companhia. Desde o início da parceria já foi possível reduzir em 20% a quantidade de coletas diárias.
Outro exemplo de economia circular vem da Isensee Machines, especializada na fabricação de máquinas para a indústria têxtil, que reaproveita peças de máquinas sucateadas para fabricar novos teares circulares. “Isso permite uma economia de mais de 80% em comparação com um equipamento novo, sem comprometer a qualidade e a eficiência”, garante a CEO Larissa Isensee.
Ela explica que os equipamentos antigos são desmontados e suas peças reaproveitadas ou reformadas para dar origem a novos produtos. O método reduz a demanda por matéria-prima virgem e diminui significativamente os custos operacionais e a emissão de resíduos industriais.
À medida que as regulamentações ambientais se tornam mais rígidas e os consumidores exigem maior transparência das empresas, novas práticas são fundamentais para a indústria do futuro. “A economia circular não é apenas uma tendência, mas uma revolução na forma como produzimos e consumimos. Quando entendemos que a sucata pode ser um recurso valioso, abrimos caminho para uma indústria mais eficiente, inovadora e sustentável”, conclui a CEO.
Com mais de duas décadas de atuação, a Z11 Group nasceu justamente da necessidade de dar um destino mais sustentável aos ativos imobilizados das empresas, que descartavam seus equipamentos sem considerar o impacto ambiental. “Enxergamos uma oportunidade de comprar esses ativos, realizar a descaracterização e sanitização, atualizá-los e revendê-los”, diz a diretora Amanda Zanarelli (foto).
Ao criar um ciclo sustentável, a iniciativa beneficia tanto as empresas que precisam se desfazer dos equipamentos quanto as que precisam adquirir novos sem um custo elevado.
Tudo começa com a coleta gratuita dos equipamentos, garantindo que o descarte ocorra de forma sustentável e segura. Depois, removidas quaisquer identificações da marca e de eventuais dados, os equipamentos passam por um processo de atualização e reparo para revenda. “Esse ciclo possibilita que pequenas e médias empresas adquiram tecnologia de qualidade por um valor acessível e, ao mesmo tempo, contribui para a redução do lixo eletrônico”, observa ela.
Cada vez mais dinâmico, o mercado de TI exige inovação constante, o que levou a Z11 Group a não apenas modernizar os equipamentos, como garantir avanços nas práticas de governança ambiental, social e corporativa (ESG).
Quinto maior produtor de lixo eletrônico do mundo, o Brasil não pode continuar descartando equipamentos inadequadamente. Com esse olhar é que a Z11 escolheu atuar na reutilização como sinônimo de menores resíduos e maior educação ambiental.
Apesar das imagens nada agradáveis encontradas nos mares, rios e nas ruas e estradas, nem tudo está perdido. Para Amanda, o futuro desse mercado é promissor, dada a crescente preocupação das empresas com a sustentabilidade e a eficiência operacional.
“A solução é unir, cada vez mais, economia e responsabilidade ambiental”, diz ela, convicta de que é uma mudança de mentalidade necessária que impacta o meio ambiente e traz ganhos em eficiência e reputação.
Produzir, usar e descartar estão dando espaço para reduzir, reutilizar e reciclar. É o pensamento de João Eduardo Amaral (foto) e Rebecca Alonso Nascimento (foto), do Circle Economy Foundation, que vislumbram práticas inovadoras exemplares de economia circular, no contexto mundial.
Eles destacam a União Europeia com seu Plano de Ação, que inclui regulamentações rigorosas sobre o ciclo de vida dos produtos e a promoção de materiais reciclados. Também citam a Alemanha, que está implementando estratégias nacionais que incentivam ciclos fechados de materiais e tecnologias digitais para melhorar a eficiência.
A Holanda também busca reduzir a pegada material da economia nacional até 2050. “Tecnologias como inteligência artificial estão revolucionando a gestão de resíduos, enquanto startups inovadoras desenvolvem soluções para reciclar plásticos e painéis solares”, comenta ele. Portugal tem focado em investir em iniciativas como a simbiose industrial e o ecodesign, incentivando a adoção de modelos de negócios circulares.
A região do Algarve, por exemplo, lançou recentemente um aviso de concurso para financiar projetos de economia circular, focando na reintrodução de materiais recuperados nos processos produtivos e na promoção da circularidade da água. Além disso, o país possui metas ambiciosas para eliminar plásticos de uso único e promover a reutilização e reparação de produtos, conforme destacado em seu Plano de Ação Nacional.
“No Brasil, o recente estabelecimento da Estratégia Nacional de Economia Circular, atualmente em consulta pública, visa promover e impulsionar a transição para um modelo circular, a fim de reduzir o uso de recursos naturais e a geração de resíduos”, afirma Rebecca Nascimento.
Já o Fórum Nacional de Economia Circular, criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, coordena esforços para implementar políticas circulares, com foco em setores de alta intensidade energética. Além disso, iniciativas como a reciclagem de plásticos e o redesenho de produtos são destacadas em eventos como o Plástico Brasil 2025. Ainda no Brasil, setores como a indústria de construção civil e de embalagens estão avançados na implementação da economia circular, baseada em reciclagem e reutilização de materiais.
No Ceará, o setor têxtil é destacado por adotar práticas sustentáveis, como reutilização e reaproveitamento de materiais. O estado tem investido em gestão de resíduos sólidos, com tecnologias inovadoras que transformam lixo em energia, como a produção de biometano a partir de aterros sanitários. A Secretaria do Meio Ambiente do Ceará também promove políticas públicas para incentivar a economia circular no Estado.
“Há grandes oportunidades para empresas que adotam práticas circulares, o que pode gerar bilhões de dólares em receita, globalmente, com o mercado de produtos reciclados e reutilizados, projetando-se para mais que dobrar nos próximos anos”, informa a Secretaria. Dentre essas práticas, eles citam a extensão da vida útil dos produtos, o compartilhamento de recursos subutilizados e sistemas de serviço que priorizam a experiência no lugar da posse.
Entre as maiores barreiras estão a falta de conhecimento sobre o conceito desta economia, as limitações de infraestrutura e a insuficiência de políticas públicas que incentivem a reutilização e reciclagem de materiais, além da falta de educação ambiental e a resistência à mudança cultural.
“Para se tornar uma referência global em economia circular, é essencial que o Brasil invista em educação e inovação, além de promover políticas públicas favoráveis e incentivar a adoção de práticas circulares em todos os setores”, sentenciam João Eduardo e Rebecca, acreditando que a realização em São Paulo, de 13 a 16 de maio, do World Circular Economy Forum, organizado pela Circle Economy Foundation, será um grande palco que reunirá mais de 1000 especialistas.
As ecobarreiras integram o esforço de equilíbrio ambiental e geram trabalho e renda com o reaproveitamento dos resíduos. A ideia nasceu dentro do projeto Kite for the Ocean, do Instituto Winds for Future, que conecta o kitesurfe às causas oceânicas. A instalação das ecobarreiras se tornou uma das principais estratégias para evitar que resíduos descartados irregularmente cheguem ao mar.
Localizada no Riacho Severo, em São Miguel (comunidade na divisa de Caucaia com Fortaleza), a ecobarreira retém uma quantidade significativa de lixo antes que ele alcance o oceano.
Segundo o advogado Rômulo Alexandre Soares (foto), que participa do movimento, a metodologia e a tecnologia utilizadas são homemade e contaram com o apoio inicial da Prefeitura de Caucaia e apoio financeiro da QAIR, empresa do setor de energia, que acreditou na proposta e investiu para tornar essa ação uma realidade.
Ele conta que existe uma força-tarefa de colaboradores da Prefeitura, que atuam junto com a equipe idealizadora para realizar a manutenção do equipamento, a retirada dos resíduos e a separação dos materiais. Desde a instalação da primeira ecobarreira, em abril de 2024, já foram recolhidas quase 41 toneladas de lixo. Rômulo lamenta que ainda cerca de 50% do material coletado é rejeito e, infelizmente, precisa ser enviado diretamente para o aterro sanitário. Do restante, aproximadamente 10% corresponde a plásticos e outros recicláveis, que são separados e doados para catadores da região.
Essa iniciativa não só contribui para a redução de resíduos, mas também gera impacto econômico e social na comunidade, fortalecendo o engajamento local com o projeto. Os 40% restantes são materiais que não podem mais ser reciclados, mas possuem valor calórico, sendo enviados para o coprocessamento na indústria cimenteira, substituindo o uso de combustíveis fósseis na produção de cimento, reduzindo a poluição e dando um destino mais sustentável a esse material.
“Esse processo tem um custo elevado para o Kite for the Ocean, mas acreditamos que, com o apoio da indústria cimenteira será possível garantir que esses resíduos tenham um destino ambientalmente correto”, finaliza Rômulo Alexandre.
Brasil define políticas para indústria de baixo carbono, mobilidade verde e economia circular
Como a inovação e a sustentabilidade estão impulsionando a economia circular