Especialista afirma que a energia nuclear pode ser um dos caminhos para a descarbonização da economia via redução do uso das fontes fósseis. (Foto: Envato Elements)
Com mais de 70 anos de história, a energia nuclear ainda mantém sua imagem ligada a fins não pacíficos. Embora seja gerada da fissão dos núcleos dos átomos de urânio, em processo controlado, mas ainda assim com riscos, a energia nuclear encontra aplicações relevantes na medicina, indústria farmacêutica e na agricultura, podendo ser uma alternativa energética numa matriz altamente diversificada como é a brasileira (fóssil, hidrelétrica, solar, eólica e biomassa).
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Esta opção, entretanto, é mais aplicável a países que não contam com a diversidade brasileira em suas respectivas matrizes e que, obviamente, tenham fartos recursos para a implementação.
São quase 500 usinas nucleares no mundo, sediadas nos Estados Unidos, França, China, Japão, Rússia, Coreia do Sul, Canadá, Ucrânia, Índia e Espanha, que respondem por menos de 10% da geração global de energia. No Brasil são apenas duas, ambas no Rio de Janeiro (Angra I e II), operadas pela Eletronuclear, que respondem por apenas 2% do consumo de energia elétrica total. Angra III, também no Rio, embora com quase 70% das obras concluídas, foi paralisada em 2015. Se retomada, poderá operar em 2030.
Em Dubai, durante a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP28), 22 países se comprometeram a triplicar a geração de energia nuclear até 2050 para contribuírem para a descarbonização. O Brasil, que conta com a oitava maior reserva de urânio do mundo, não integra este grupo, embora queira ampliar a geração nuclear concluindo as obras da Usina Angra III, no Rio de Janeiro.
Apesar de a geração ser relativamente baixa, o Brasil faz parte de um seleto grupo de apenas três países (juntamente com Estados Unidos e Rússia) que têm reservas de minério, tecnologia de beneficiamento e usinas nucleares para produzir energia.
EVOLUÇÃO ATÔMICA
Fonte: World Nuclear Association
1895/1945: Ciência da radiação atômica, mudança atômica e fissão nuclear
1939/1945: Bomba atômica
1956: Evolução tecnológica para segurança das usinas nucleares
Se depender da análise técnica e não política de Jurandir Picanço (foto), consultor de Energia da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (FIEC), a conclusão de Angra III não deveria acontecer. Com o olhar de quem acompanha a gestão privada de investimentos e seus retornos, o engenheiro mecânico e elétrico afirma que o Brasil não precisa da energia nuclear porque tem fontes renováveis altamente competitivas e a custos menores.
Ele concorda que a energia nuclear pode ser um dos caminhos para a descarbonização da economia via redução do uso das fontes fósseis, mas não o único e certamente é o mais caro e desnecessário, no caso brasileiro.
Jurandir Picanço não descarta, entretanto, a importância de dominar a tecnologia nuclear para aplicação em outras áreas, como a médica. “Energia nuclear é para países que não contam com as alternativas energéticas como o Brasil”,simplifica.
“O setor elétrico não deveria pagar pelo preço superior dessa fonte tendo um enorme potencial ainda a ser explorado na matriz diversificada disponível, especialmente agora com o avanço das baterias para garantia de armazenamento da energia renovável das diferentes origens como solar e eólica.”
Jurandir Picanço, consultor de Energia da FIEC
O professor titular da Universidade de Fortaleza e Procurador do Município, Martonio Mont’Alverne Barreto Lima (foto), concorda que a energia nuclear é uma forma limpa de produção energética que serviu para ampliar o acesso a largos contingentes populacionais de bens e serviços, antes impensáveis, especialmente em países de grande extensão territorial.
“O risco maior é quanto aos elevados custos de construção de usinas, e do armazenamento do material utilizado”, comenta. Mas entende que diante da mudança climática, causada principalmente pelo uso das energias fósseis, a energia nuclear aparece como nova fonte de matriz energética, para o desenvolvimento social e econômico de sociedades.
Seu uso civil apareceu pela primeira vez em 1951, na antiga União Soviética, que conseguiu fazer chegar energia a residências, hospitais e escolas em locais distantes de sua vasta extensão territorial. Nas décadas seguintes, os países da Europa Ocidental e Japão passaram a utilizar a energia nuclear também para movimentar sua complexa atividade industrial e bem-estar, como transportes urbanos.
Em 1957 foi criada a Agência Internacional de Energia Nuclear, como organismo das Nações Unidas e, com o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de 1967, foi reconhecido o direito de todos ao uso civil e pacífico da energia nuclear, abrindo as portas para as Nações em desenvolvimento. “Por conta disso, o Brasil é hoje um dos nove países que dominam o ciclo do enriquecimento do urânio, mesmo com o sistemático boicote das grandes potências nucleares a esta tecnologia”, analisa o professor Martonio.
Ele lembra que há 15 anos, muitos países anunciaram o fim da utilização da energia nuclear e até desativaram algumas de suas usinas, como a Alemanha.
“Hoje, o cenário mudou. A Alemanha começa a reconsiderar o retorno à energia nuclear, assim como outros países, exatamente em razão do custo ambiental e climático das energias fósseis, como carvão e petróleo.”
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, professor da Universidade de Fortaleza
A memória das gerações anteriores ainda remete à bomba atômica e contaminação, césio e desastre ambiental, como fruto da II Guerra Mundial e da Guerra Fria. O domínio da tecnologia para construção de armas com poder de destruição em massa ficou registrado na memória de todos, sem que se mostrasse as vantagens de sua utilização civil e pacífica.
“Atualmente, pesquisas conduzidas por Noruega e Alemanha avançam no sentido de obtenção de energia nuclear a partir do tório, e não do urânio. Segundo informações disponíveis, igualmente, este processo possui custo elevado, mas garantiria a inexistência do chamado lixo radioativo, o que significa uma enorme garantia ambiental.”
Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, professor da Universidade de Fortaleza
Cada vez mais, os resíduos são tratados com maior segurança, em razão do contínuo avanço tecnológico, embora este fato não exclua totalmente a possibilidade de acidentes. “Na história do uso civil da energia nuclear, de 1951 até hoje, só tivemos três grandes eventos”, destaca, referindo-se ao Three Miles Island, em 1979, nos EUA; Chernobyl, em 1987, na Ucrânia, antiga URSS; e Fukushima, em 2011, no Japão.
Convém lembrar que a Constituição Federal estabelece claramente o monopólio da União Federal sobre a energia nuclear, de forma exclusiva, ou seja, sequer admite delegação desta competência, conforme o art. 21, inc. XXIII. Para Martonio Barreto Lima, custos e regulação são necessários e devem permanecer, como manifestação da soberania econômica do Brasil.
Dentro das regras, a expectativa de especialistas como o professor é de que há oportunidades nesta área para o Brasil utilizando a tecnologia da energianuclear para a autonomia científica e tecnológica do país, ratificação de sua soberania econômica, geração segura de energia e amplo acesso de populações aos benefícios de uso de energia para bem-estar.
O CEO do Energy Summit Global e VP de Energia e Sustentabilidade na MIT Technology Review Brasil, Hudson Mendonça (foto), destaca uma série de vantagens da energia nuclear para compor uma matriz energética equilibrada, embora cite o alto custo como uma barreira para os padrões brasileiros. E aponta a tecnologia dos Pequenos Reatores Modulares (SMRs, na sigla em inglês) como uma inovação promissora.
Uma usina nuclear tradicional pode levar até 10 anos para ser construída. Os SMRs podem ser instalados em dois ou três anos, tornando a expansão da energia nuclear mais rápida e eficiente. Também podem ser instalados em locais estratégicos, como navios, permitindo a colocação de unidades de geração conforme a demanda.
“Embora essa tecnologia ainda não esteja em operação comercial em larga escala, ela representa uma grande promessa para o futuro do setor energético”, observa. O relatório da Energy Center em parceria com a MIT Technology Review Brasil prevê que o horizonte de consolidação dos SMRs estará entre 2028 e 2040.
Ele cita a estabilidade na geração como principal vantagem da energia nuclear na matriz energética, ao contrário da solar e eólica que embora renováveis são intermitentes. E diferente, também, das usinas termelétricas que garantem energia contínua, mas que, em sua maioria, utilizam combustíveis fósseis para aquecer a água, gerar vapor sob alta pressão e movimentar turbinas que produzem eletricidade.
Hudson Mendonça entende que a combinação de fontes renováveis com energia nuclear permite uma matriz elétrica mais limpa e estável, que atende a necessidade em momentos de baixa produção das gerações eólica e solar e também em períodos de alto consumo de energia.
“As usinas nucleares garantem um fornecimento contínuo, evitando apagões e diminuindo a necessidade de acionar usinas termelétricas movidas a combustíveis fósseis.”
Hudson Mendonça, CEO do Energy Summit Global
CARACTERÍSTICAS DOS SMRs
Fonte: Relatório Energy Megatrends/Energy Center/MIT Technology Review Brasil
• Desenvolvimento: reatores menores (50-300 MW) projetados para construção em fábricas, reduzindo custos e tempo;
• Custo e Escalabilidade: Mais econômicos e rápidos de construir, custando entre US$ 1 e 3 bilhões, contra US$ 6 a 9 bilhões dos reatores convencionais. A expansão modular ainda permite crescimento gradual;
• Segurança Melhorada: Sistemas de segurança passiva que desligam o reator automaticamente em emergências, abordando preocupações históricas, como Chernobyl e Fukushima;
• Aplicações Flexíveis: Além de gerar eletricidade, fornecem calor industrial, dessalinizam água e apoiam operações de hidrogênio. Ideais para regiões remotas e economias emergentes;
• Desafios e Regulamentação: Desafios de regulamentação, financiamento e aceitação pública. As aprovações são lentas e o financiamento inicial, embora menor, ainda é uma barreira.
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