Turismo de raízes e de história: um nicho a ser melhor explorado

Por: Gladis Berlato | Em:
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O Brasil tem um enorme potencial para o turismo de raízes, pois recebeu diversas ondas migratórias de europeus e africanos, além da rica herança cultural indígena. (Foto: Envato Elements)

Vetor de desenvolvimento e de preservação cultural, o turismo de raízes se insere na tendência global de viagens de experiência, onde as visitas convencionais a pontos turísticos perdem importância para os viajantes que priorizam interações culturais profundas. A conexão dos visitantes às suas origens estimula a economia local ao aumentar a demanda por serviços, com impacto nos pequenos negócios, gerando empregos na economia regional.


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Embora a Itália se destaque no grupo de países promotores do turismo de raízes pela força da imigração (estima-se que existam mais de 30 milhões de descendentes de italianos no Brasil), Portugal, Espanha, Irlanda, Japão e Israel também investem em experiências voltadas aos descendentes de imigrantes que buscam conhecer a terra de seus antepassados.

No Brasil, um país de alta e diversificada miscigenação, o Ceará, o Rio Grande do Sul e São Paulo têm potencial para desenvolver esse segmento, especialmente devido à diversidade de fluxos migratórios que moldaram suas respectivas culturas.

O que é turismo de raízes?

É um segmento que busca reconectar viajantes com suas origens culturais, familiares e históricas. É uma forma de turismo motivada pela ancestralidade, pela busca de identidade e pelo desejo de vivenciar tradições de forma autêntica. Caracteriza-se pelo envolvimento com comunidades locais, visitas a locais históricos, participação em rituais e festividades, além da pesquisa genealógica para reconstrução da trajetória familiar. Diferente do turismo tradicional, que muitas vezes prioriza atrações icônicas e destinos populares, o turismo de raízes coloca a alma e a história pessoal do viajante no centro da experiência.

Revitalização do patrimônio

A especialista em turismo, a gestora de destinos no Sistema Fecomércio Ceará, Yrwana Guerra (foto), salienta que o turismo de raízes contribui para a preservação da cultura ao valorizar a memória coletiva, incentivar a revitalização de patrimônios históricos e fortalecer o turismo comunitário, gerando renda para populações locais.

Com experiência também como gestora pública nas esferas municipal e estadual cearense, ela destaca o impacto econômico do turismo de raízes que impulsiona a economia local ao estimular o consumo de serviços de hospedagem, gastronomia e atividades culturais.

Ela também observa que esse segmento está alinhado com o turismo responsável, pois valoriza o respeito às comunidades anfitriãs, promove práticas sustentáveis e incentiva o turismo de baixo impacto. “A imersão em vivências autênticas favorece a conscientização sobre a importância da preservação ambiental e cultural”, comenta Yrwana.

Para ela, o Brasil tem um enorme potencial para o turismo de raízes, pois recebeu diversas ondas migratórias de europeus e africanos, além da rica herança cultural indígena. “Estados como o Ceará, por exemplo, possuem histórias de migração e resistência que podem ser exploradas por meio de roteiros e projetos voltados para descendentes de migrantes”, aponta ela.

Barreiras e desafios

Governos e empresas têm investido na promoção desse segmento por meio da digitalização de arquivos genealógicos, criação de roteiros turísticos personalizados e fomento ao turismo comunitário. Programas de incentivo ao resgate cultural e festivais também contribuem para a estruturação. Um dos desafios do turismo de raízes é o acesso a registros históricos e documentais.

Em alguns países, arquivos genealógicos são restritos, exigindo autorizações para consulta. Além disso, questões como cidadania e dupla nacionalidade podem ter processos burocráticos complexos, impactando a experiência do viajante.

Identidade e pertencimento

Com ampla experiência nas áreas de Arquitetura, Urbanismo, Administração e Turismo, a sócia e responsável técnica da Anya Ribeiro Conexão de Negócios, Anya Ribeiro de Carvalho (foto), diz que a ancestralidade conecta viajantes às suas origens, proporcionando uma jornada emocional e culturalmente enriquecedora. “A busca por identidade e pertencimento tem impulsionado esse segmento, tornando-o uma forma única e diferenciada de conhecer um destino turístico”, ilustra.

Como Yrwana, ela também cita a dificuldade de acesso a registros históricos, que estão, muitas vezes mal armazenados e desorganizados em arquivos físicos, caso de informações básicas de certidões de nascimento, casamento e óbito.

As diferenças nas legislações de cada país foi outro obstáculo alinhado por ela para a obtenção da cidadania. “Mesmo com os avanços na preservação digital de documentos históricos, muitos registros ainda não foram convertidos para formatos acessíveis online. Isso exige que os pesquisadores viagem até arquivos físicos, consulados ou igrejas, o que pode ser inviável para muitas pessoas”, pondera.

Apesar desses desafios, iniciativas públicas e privadas têm buscado facilitar a pesquisa genealógica. Bancos de dados online, plataformas colaborativas e projetos de digitalização têm ampliado o acesso às informações, permitindo que cada vez mais pessoas reconstruam suas histórias familiares. Anya cita, também, a colaboração entre instituições de diferentes países que tem ajudado na padronização de processos e no compartilhamento de registros históricos.

Superar as barreiras legais e burocráticas e os custos das pesquisas genealógicas é essencial para que o turismo de raízes continue a crescer e a proporcionar experiências enriquecedoras”, afirma ela, que também destaca como vantagem a descentralização do fluxo turístico. Em vez de superlotar destinos populares, os viajantes que buscam suas origens costumam explorar localidades menores e menos conhecidas, promovendo uma distribuição mais equilibrada dos visitantes, gerando oportunidades econômicas para regiões que, de outra forma, poderiam ficar à margem do turismo tradicional.

Destinos mais populares:

  • Portugal – Com forte emigração para o Brasil e outras partes do mundo, tem programas para descendentes via arquivos históricos e rotas de imigração e facilidades para obtenção da cidadania portuguesa.
  • Itália – Muitos descendentes de italianos visitam pequenas vilas e cidades italianas para explorar registros civis e eclesiásticos, conhecer parentes distantes e vivenciar a cultura local.
  • Irlanda – O governo irlandês criou iniciativas para incentivar a visita de descendentes de irlandeses, oferecendo serviços de pesquisa genealógica e festivais culturais.
  • Alemanha e Polônia – Regiões de forte emigração para a América do Norte e do Sul, esses dois países têm investido na digitalização de documentos e na criação de roteiros turísticos voltados para quem busca suas origens.
  • Brasil, Argentina e México – Países da América Latina atraem descendentes de africanos, indígenas e europeus que desejam conhecer melhor sua herança cultural e histórica.

Avanços no turismo de raízes

A especialista Yrwana está convicta de que a busca por experiências autênticas e imersivas que emocionam e enriquecem a alma do visitante é uma tendência, uma mudança de comportamento que tem impulsionado o crescimento do turismo de raízes ao redor do mundo. Para ela, o crescimento desse segmento também está atrelado ao avanço das tecnologias de pesquisa genealógica e às redes sociais, que permitem que as pessoas descubram suas origens com mais facilidade e compartilhem suas experiências.

Otimista, Yrwana entende que há avanços na direção do fortalecimento do turismo de raízes. E cita a criação de plataformas de pesquisa genealógica, como o FamilySearch, as parcerias entre governos para facilitar o acesso a documentos históricos, o desenvolvimento de pacotes turísticos personalizados para descendentes de imigrantes, a promoção de eventos e festivais voltados à diáspora de diferentes nacionalidades, incentivo à capacitação de guias turísticos especializados, fomento ao turismo de herança cultural em áreas rurais e menos exploradas e a promoção de intercâmbios culturais e programas educacionais.

E o Brasil, segundo ela, com sua vasta dimensão territorial e diversidade cultural e histórica, tem um enorme potencial para promover o turismo de raízes. “O país, nas suas cinco regiões, é um verdadeiro celeiro de influências, abrigando uma rica tapeçaria de descendentes de imigrantes europeus, africanos, asiáticos e indígenas”, acredita ela, povos responsáveis por moldar as tradições, os costumes e as histórias que fazem do Brasil um destino único e vibrante, que se multiplica a cada geração.

Para isso, há inúmeros caminhos a serem trilhados, começando não só pela digitalização de arquivos históricos, mas criando roteiros turísticos acessíveis e personalizados, promovendo campanhas educativas sobre a importância do resgate genealógico, incentivando parcerias entre governos, empresas, terceiro setor e instituições histórico-culturais e promovendo a divulgação internacional junto a influenciadores e embaixadores culturais.

Ceará e a herança negra e indígena

José Valdo Mesquita (foto), coordenador de Qualificação dos Destinos e Produtos Turísticos da Secretaria do Turismo do Ceará, diz que o Ceará tem potencial na valorização da herança negra, indígena e sertaneja, com chance de movimentar muito mais do que a hotelaria e gastronomia.Ele cita manifestações artísticas genuínas como as danças, o artesanato e a cultura do povo cearense (jangadeiros, vaqueiros, poetas, escritores, cantores, humoristas, dentre outros).

José Valdo atesta que há um aumento pela busca por experiências imersivas, como vivências nos locais serranos, sertão e litorâneos, pesca artesanal, práticas esportivas, experiências gastronômicas e participação em celebrações religiosas como em Juazeiro do Norte e Canindé com as festas religiosas.

E garante que o Ceará tem incentivado roteiros culturais, como a rota das emoções, os roteiros religiosos e a rota caminho das secas (Quixadá, Quixeramobim e Senador Pompeu), sempre valorizando a cultura local. “Ao valorizar figuras históricas como Dragão do Mar, que simboliza a luta contra a escravidão, e destacar os saberes tradicionais, conectamos visitantes às raízes culturais do estado”, observa.

“Com uma rica diversidade cultural, o Ceará pode explorar melhor suas rotas afro, indígenas e sertanejas, além de promover a valorização da oralidade e das histórias familiares”, afirma o coordenador ao defender a necessidade de resgatar e divulgar documentos históricos, criar roteiros específicos de turismo de raízes e fortalecer a promoção de experiências autênticas em parceria com comunidades locais.

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