Setor da pesca tem que se alinhar aos 5P’s da Sustentabilidade

Por: Gladis Berlato | Em:
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pesca e aquicultura

Com os estoques de pesca de captura cada vez mais explorados além de seus limites sustentáveis, a FAO estima que 60% de todos os alimentos de animais aquáticos disponíveis para consumo humano, em 2032, virá da aquicultura. (Foto: Envato Elements)

Pessoas, Planeta, Prosperidade, Paz e Parcerias. Os cinco pilares da sustentabilidade cada vez mais presentes nas agendas ambientais mundiais se impõem em qualquer atividade econômica, como a da pesca e da aquicultura, que integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas. Entre eles está o ODS 14, que determina a conservação e uso dos oceanos, mares e recursos marinhos de forma sustentável por se tratar de um recurso finito e estratégico econômico, social e ambientalmente.


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Em 2024, a piscicultura nacional atingiu um recorde histórico, com 968,7 mil toneladas de peixes cultivados, 9,2% acima de 2023, sob a liderança da tilápia (662,2 mil toneladas), e o Brasil conquistou a quarta maior produção mundial, sendo também o quarto maior fornecedor de tilápia para os Estados Unidos. Com políticas públicas eficazes, o Brasil caminha para ser uma referência mundial em aquicultura sustentável, o que pode ser ampliado com a exploração comercial de espécies aquáticas como tambaqui, pirarucu, curimatã e pacu.

Pesca e aquicultura em alta

Para quem soma experiências públicas e privadas como ex-secretário Nacional de Aquicultura do Ministério da Pesca e Aquicultura e como ex-diretor executivo da Associação Brasileira de Piscicultura, Felipe Matias (foto) aponta a sustentabilidade em todas as suas dimensões como caminho para avançar. “O pescado é opção contra a fome e contra a obesidade, em virtude do seu alto valor nutritivo”, afirma, lembrando que o Brasil vem avançando na produção de pescado nas últimas duas últimas décadas.

No caso da pesca, que é uma atividade altamente geradora de trabalho, emprego, renda e que é um produto de alta qualidade, os desafios passam pela modernização da frota, melhoria da qualidade de vida dos pescadores, dentre outras medidas. Além disso, Matias defende maior diálogo entre governo e iniciativa privada, com vistas a um melhor ordenamento da atividade.

Também a aquicultura tem que aumentar muito a produção, com destaque para a tilápia (produzida na maior parte do Brasil); o tambaqui e seus híbridos (na região Amazônica) e o camarão marinho (no Nordeste), este último puxado pelo Ceará de onde saemquase 6 de cada 10 camarões consumidos.

O Nordeste, e o Ceará em especial, deram uma boa contribuição ao setor pesqueiro com a interiorização da produção de camarão marinho. “Esta foi uma grande inovação para o mercado”, afirma o cientista. Ao produzir camarão marinho em água doce a quase 400 km de Fortaleza, especialmente na região do Vale do Jaguaribe, o Ceará lidera a produção de camarão marinho cultivado com 72 mil toneladas, ou 57% da produção nacional, que é de 127 mil toneladas.

Atualmente atuando como cientista-chefe da Economia Azul da FUNCAPF e como consultor internacional com atuação em todos os estados brasileiros e em mais de 40 países, Felipe Matias acredita que o Brasil tem potencial para estar entre os cinco maiores produtores mundiais de pescados nos próximos 10 anos.

Ceará alinhado com os ODS da ONU

Para o secretário da Pesca e Aquicultura (SPA) do Ceará, Oriel Filho (foto), “o alinhamento da pesca e aquicultura com os ODS não está relacionado somente ao ODS 14, que trata da vida na água. Há, pelo menos, mais três temas com relação direta com essas cadeias produtivas. É o caso do Fome zero e agricultura sustentável (ODS 2), Trabalho decente e crescimento econômico (ODS 8) e Indústria, inovação e infraestrutura (ODS 9)”, diz.

O Ceará, conforme o secretário Oriel, tem histórico de alinhamento dos seus planejamentos de ações desde os Objetivos do Milênio e posteriormente com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU traduzidos em 22 relatórios relativos aos anos de 2022, 2023 e 2024.

Recentemente, acompanhando as ações do governo federal, o Ceará recriou a Secretaria de Pesca e Aquicultura, tornando-se o maior exportador de pescado do Brasil, tendo como base produtos da pesca artesanal, em especial a lagosta e peixes vermelhos e a pesca industrial dos atuns e afins. Também lidera a produção de camarão de cultivo do país, com 72.800 toneladas em 2023, segundo o IBGE.

Na avaliação de Rosana Figueiredo, secretária Executiva de Planejamento e Gestão Interna da SPA, são inúmeras as oportunidades para a pesca e aquicultura sustentáveis, citando ações como peixamento, cadastramento de empreendimentos aquícolas, vistorias de embarcações pesqueiras, seminários técnicos e cultivos experimentais. Também considera estes caminhos como solução para a segurança alimentar e redução da pressão sobre os estoques pesqueiros.

Desafios e ameaças

Entre os desafios a serem enfrentados, a SPA entende que é preciso compreender as diferentes expectativas do público-alvo, (pescadores marítimos, pescadores continentais, aquicultores, indústria e comércio). Também defende a necessidade de trabalhar a sustentabilidade da “pós-produção”, da certificação do pescado do pequeno produtor de forma mais disseminada, mais acessível, menos burocrática e direcionada aos pescadores artesanais e aos micros e pequenos aquicultores dentro das inúmeras parcerias na cadeia de produção envolvendo o setor público e o privado.

Entre as ameaças, a SPA alerta que existem muitos países querendo vender pescado para o Brasil. É o caso do Equador e Argentina, que sempre tentam negociar camarão, o que é proibido por lei, por questões sanitárias. Agora, o Vietnã tenta exportar tilápia (já vende o panga), o que seria uma ameaça considerável, já que a tilápia corresponde a mais de 60% da produção nacional.

Tendências e inovações

Em se tratando de tendências e inovações tecnológicas para pesca e aquicultura sustentáveis, o engenheiro de Pesca da SPA, Antonio Albuquerque, diz que elas podem estar direcionadas a novos conhecimentos e tecnologias dos cultivos de espécies de microalgas e invertebrados marinhos e o avanço da biotecnologia. “Nos cultivos tradicionais, pode-se avançar com a mecanização de algumas etapas do cultivo, em especial daquelas dedicadas ao monitoramento da qualidade de água e do fornecimento de alimentação”, explica.

“O Brasil possui muitas referências intelectuais na aquicultura, um cenário vivo de projetos e particularidades regionais”, conclui o secretárioOriel, referindo-se ao banco genético diversificado de espécies nativas, diversidade de biomas e quantidade e qualidade de insumos. “Todas essas questões, aliadas ao fato de que a legislação ambiental brasileira é desafiadora, trazem uma expertise nacional para que se tenham modelos de produções aquícolas sustentáveis”, acredita ele, certo de que se o setor se mantiver com representações institucionais fortalecidas e com pautas proativas a tendência é de crescimento.

Aquicultura estratégica

(Foto: Jefferson Christofoletti)

Para o pesquisador Manoel Pedroza (foto) e para a chefe-geral da Embrapa Pesca e Aquicultura, Danielle de Bem Luiz (foto), a aquicultura é reconhecida como um componente estratégico e com papel transformador para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

“Ao garantir acesso a alimentos nutritivos e fortalecer comunidades vulneráveis, esses sistemas se tornam fundamentais para um futuro mais justo, resiliente e equilibrado”, defendem, desde que adotadas práticas responsáveis em áreas como uso de recursos hídricos, manejo de resíduos, biodiversidade e inclusão social​, diretrizes da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura).

(Foto: Jefferson Christofoletti)

Para isso, citam a crescente demanda por produtos certificados que está transformando o mercado, principalmente entre a população de maior renda. Essa tendência, cada vez mais valorizada pelos consumidores, também tem sido registrada no Brasil, onde há um crescente interesse por dietas mais saudáveis, proteínas animais mais leves, sustentabilidade e bem-estar animal. “Isso abre espaço para expansão de produtos brasileiros certificados como sustentáveis, como tilápia e peixes nativos”, observam os pesquisadores.

Na contramão, entretanto, a sustentabilidade dos estoques pesqueiros tem diminuído: em 2021, apenas 62,3% estavam em níveis biologicamente seguros, contra 90% em 1974. Já os estoques explorados de forma insustentável aumentaram de 10% para 37,7%. No entanto, ao considerar o volume de produção, os estoques sustentáveis ainda representaram 76,9% das capturas em 2021. Com os estoques de pesca de captura cada vez mais explorados além de seus limites sustentáveis, a FAO estima que 60% de todos os alimentos de animais aquáticos disponíveis para consumo humano, em 2032, virá da aquicultura​. Essa prática é essencial para garantir essa proteína de qualidade em um planeta que caminha para 8,6 bilhões de habitantes em 2032.

Brasil pode se tornar referência global

Para a Embrapa Pesca e Aquicultura, a aquicultura brasileira projeta crescimento acelerado e sustentável até 2030, com expectativa de ultrapassar 1 milhão de toneladas já no próximo ano (2026), impulsionada pela tilapicultura e pela demanda internacional por pescado de qualidade, o que exigirá investimentos em tecnologia, eficiência produtiva e capacitação.

A regionalização da produção, com destaque para o cultivo de espécies nativas na Amazônia e o potencial da maricultura no Nordeste, é vista como uma nova fronteira estratégica. No entanto, o setor ainda enfrenta desafios como burocracia no licenciamento ambiental, insegurança jurídica e falta de dados, o que requer políticas públicas integradas e articulação entre governo, setor produtivo e academia. “Com inovação e boa governança, o Brasil pode se tornar referência global em aquicultura sustentável”, dizem eles.

Pesca e Aquicultura no mundo

A produção mundial de pesca e aquicultura atingiu um novo recorde em 2022. “Iniciativas bem-sucedidas devem ser ampliadas para consolidar o papel vital dos alimentos aquáticos para a segurança alimentar, nutrição e meios de subsistência globais”, recomenda Matias. Em 2022, último dado disponível conforme o Relatório da FAO, a produção global de pesca e aquicultura aumentou para 223,2 milhões de toneladas.

Deste total, 185,4 milhões de toneladas de animais aquáticos, quase 90% são usados para consumo humano (20,7 kg per capita).  E os 37,8 milhões de toneladas restantes foram de algas. Conforme o relatório, mais de 230 países e territórios estavam envolvidos no comércio internacional de produtos aquáticos, atingindo um valor recorde de US$ 195 bilhões — um aumento de 19% em relação aos níveis pré-pandêmicos em 2019.

Pesca artesanal fora dos ODS

(Foto: Jefferson Christofoletti)

Na análise de Adriano Prysthon (foto), pesquisador da Embrapa Alimentos e Territórios,com atuação na Embrapa Pesca e Aquicultura, a pesca artesanal (pescadores e marisqueiras) é o principal grupo costeiro vulnerável a externalidades e não está contemplado com ações estruturantes e metas claras no ODS 14. “A pesca artesanal apoia os sistemas alimentares e os meios de subsistência de milhões de pessoas e também desempenha um papel crucial na cultura e na identidade de uma sociedade.

Porém, os impactos das mudanças climáticas na pesca artesanal têm sido cada vez mais evidentes devido ao potencial de danos irreversíveis no modo de vida destas comunidades”, explica, acrescentando que o ODS 14 trata este assunto de forma superficial e sem especificidade à pesca artesanal, sem considerar o diálogo com as comunidades pesqueiras litorâneas em estratégias de solução conjunta na mitigação dos impactos.

Também o ODS 15 (Vida na terra) não cita em suas metas o público da pesca artesanal continental. “O Brasil detém 11% de toda a água doce do planeta, possui as maiores bacias hidrográficas do mundo e a pesca artesanal fornece a principal fonte de proteína animal da Amazônia, gerando uma receita de cerca de U$ 800 milhões por ano, além de possuir o maior consumo por habitante de pescado do mundo”, argumenta.  E lembra que o Brasil tem um papel importante nos próximos cinco anos de mostrar para a sociedade que a pesca artesanal tem o seu lugar enquanto cadeia produtiva, sua importância econômica, seu papel cultural e ancestral e na segurança alimentar para os ODS.

Principais tendências

• Sistemas de recirculação de água, que reutilizam o recurso e reduzem o descarte de efluentes;
• Uso de tecnologias digitais como sensores e inteligência artificial para monitoramento e gestão em tempo real;
• Adoção de rações com ingredientes sustentáveis, como algas e insetos;
• Sistemas integrados, como bioflocos e aquaponia, que otimizam o aproveitamento de nutrientes e reduzem o impacto ambiental;
• Tecnologias para aproveitamento dos resíduos do abate de peixes (ex.: Fertilizante a base de vísceras) também têm possibilitado um aproveitamento total do pescado, viabilizando ações de economia circular;
• Ferramentas de rastreabilidade digital, como blockchain, aumentam a transparência e facilitam o acesso a mercados exigentes;
• Avanços em biotecnologia e melhoramento genético vêm possibilitando o desenvolvimento de linhagens mais produtivas e resistentes.

Fonte: Embrapa Pesca e Aquicultura

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