Reforma Tributária: a polêmica da natureza do imposto seletivo e a alíquota de referência

Por: João Paulo Sousa | Em:
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É questionável a própria natureza jurídica do IS: afinal, apesar da nomenclatura de Imposto, será que ele se reveste mesmo desta natureza? (Foto: Envato Elements)

Inicialmente, considere-se a previsão constitucional de quatro categorias diferentes de incidência tributária: sobre a renda, sobre o consumo, sobre o patrimônio e os de natureza social.


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No caso, importa a tributação sobre o consumo, sob a ótica da Reforma Tributária. Antes da Emenda Constitucional 132/2023 (EC 132) e da Lei Complementar 214/25, os tributos federais incidentes sobre o consumo eram o IPI, o PIS e a COFINS; o estadual era o ICMS; e o municipal, o ISS. Todos eles foram substituídos pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal; pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS); e pelo Imposto Seletivo (IS), de competência federal.

Frise-se que o IBS e a CBS (entenda-se IVA Dual) não são cumulativos, ou seja, haverá abatimento dos débitos com os créditos permitidos nas operações com bens e serviços. Quanto ao IS, incidirá uma única vez, em tese, de forma monofásica, sobre produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Contudo, ao ler a legislação pertinente ao Imposto Seletivo (IS), verifica-se que tal incidência alcança as operações com mercadorias (bebidas alcoólicas, veículos, etc.), sobre o faturamento de casa de espetáculos e sobre serviços (apostas) e que, de forma semelhante ao IPI, não obedece ao princípio da anterioridade.

Alguém mais astuto diria que o IS tem natureza regulatória, tal como afirma a autoridade (ente) tributante, e assim dispôs na Exposição de Motivos, “para desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente”. Melhor seria dizer que a implantação do IS tinha cunho extrafiscal, apesar de sua natureza ser completamente diferente de um imposto sobre importação (II) ou exportação (IE), ou mesmo sobre operação financeira (IOF), impostos regulatórios de fato.

Na verdade, criou-se o IS sob o manto de um tributo regulatório, mas ele nada mais é do que um substrato oriundo do IPI, revestido com uma nova roupagem, e, tal como este, incide sobre o consumo, com um agravante, será recolhido apenas pela União e, por não obedecer ao princípio da anterioridade, poderão ser aplicadas as alíquotas, as mais exorbitantes que possam ser, sobre os supostos produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente.

Por sua vez, o IPI era, e ainda é, um instrumento extrafiscal de indução do processo econômico nacional, oriundo do antigo imposto sobre o consumo. Assim, repita-se: o IS, assim como o IPI, é um tributo incidente sobre o consumo, não importando qual tipo ou produto consumido ou a consumir!

Vejamos que, dentre os princípios que norteiam o IPI, além de ser cobrado por fora e não cumulativo, é seletivo em função da essencialidade do produto. É, pois, a razão de suas inúmeras alíquotas, sendo uma das mais altas a incidente sobre a fabricação de cigarros.

O que fizeram então os mentores da criação do IS? Aqueles produtos anteriormente tributados fortemente pelo IPI, ditos não essenciais, ou porque não dizer nocivos à saúde e ao meio ambiente, além de agora virem a ser tributados do IBS/CBS, passarão a ser também pelo IS, o qual será incluído na base de cálculo daqueles dois.

Outros aspectos que fundamentam a incidência do IS: incide por fora? Sim, tal como o IBS/CBS. É devido no destino? Não faz diferença ser devido na origem ou no destino, pois o cofre arrecadador é o da União. É cumulativo? Aqui pode estar um grande problema. Será mesmo que incide uma única vez? Imaginemos sua incidência sobre a geração do álcool, vendido para uma empresa que o utilizará como matéria prima na fabricação de licor, ou de vinho, ou de cerveja. Haverá incidência, ainda que indireta, do IS sobre a venda desses produtos? Aparentemente sim. Onde fica a incidência única, já que não haverá geração de crédito pela aquisição do álcool?

Destarte, nesse exemplo, existe de fato o momento da incidência única? Na comercialização do produto que será matéria-prima de outro produto, que poderá ser matéria-prima de um terceiro produto? Teríamos aí três incidências sem que, em nenhuma etapa de cadeia de produção, haja direito a crédito do IS pago? Salvo melhor juízo, nos parece estarmos diante de um estelionato tributário federal.

Além disso, é questionável a própria natureza jurídica do IS: afinal, apesar da nomenclatura de Imposto, será que ele se reveste mesmo desta natureza? Seria ele um mero adicional de outros Impostos, ocorrendo o bis in idem (duas vezes o mesmo)?

Conforme falado anteriormente, o IS incidirá sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Ocorre que as atividades de produção e extração consistem em mercados regulados, ou seja, subjugadas ao poder de polícia (fiscalização) do Estado, motivo pelo qual deveriam ser tributadas por via de taxas e não impostos; enquanto as atividades de comercialização e importação já são objeto de outros tributos, sendo uma aberração jurídica a inserção pela EC 132 do inciso V no § 6º do artigo 153 da Constituição Federal – que expressamente autorizou o IS a ter a mesma base de cálculo de outros tributos – autorizando o bis in idem.

A criação do IS irá impactar na alíquota de referência?

Pois bem. Na hora de moldar a alíquota de referência, ainda a ser definida pelo Senado e válida em todo o país, previamente a definiram em 26,5%. Entretanto, já falam em ser de 28%, 30%… Mas, por que isso?

Dizem os mentores da reforma tributária ser em razão das reduções a zero (aliás, que já existiam antes!), as de 60% e 30%. Contudo, se esquecem, ou fingem esquecer a gama extensiva das hipóteses de incidência do IBS/CBS criadas, citando especialmente as operações com imóveis, mútuos onerosos e doações, que não eram objeto de incidência da tributação sobre o consumo.

E, por outro lado, parecem descartar o aumento da carga tributária federal, fruto da aplicação do IS nas circunstâncias supracitadas.

Ou seja, na definição da alíquota de referência pretendem considerar os aspectos de redução das alíquotas do IBS/CBS, ou mesmo das operações com tributação específica ou diferenciada, e desconsiderar esses dois aumentos de carga tributária anteriormente inexistentes?

As operações com bens e serviços, objeto de tributação pelo IS, o qual é um tributo sobre o consumo de fato e de direito, com alíquotas exorbitantes em alguns casos já definidos (por exemplo, bebidas alcoólicas e cigarros), bem como as operações acrescidas às já existentes (estas anteriormente conceituadas com mercadoria e serviço), são motivo mais que suficiente para não se falar em aumento da inicialmente programada alíquota de referência de 26,5%. Ao contrário, se ajuste nela deva ser feito tem de ser para baixo e não para cima.

Ademais, como vimos, o IS é um tributo esdrúxulo, criado apenas para inchar os cofres públicos da União, pois é histórico que nem sempre o uso de alíquotas elevadas representa uma maneira efetiva de aumento nos preços e, tampouco, de desestímulo no consumo.

Portanto, ao não considerar esses importantes aspectos na configuração da alíquota nacional de referência, estaria indo de encontro às regras matrizes que nortearam a reforma tributária, bem como aumentando indevidamente a carga tributária sobre toda a sociedade.

*João Paulo Sousa é contador e sócio do escritório Fonteles & Associados.

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