Especialista coloca as questões climáticas e geopolíticas como oportunidades para o hidrogênio verde, quebrando a relação de dependência das fontes fósseis. (Foto: Divulgação)
Geograficamente privilegiado no caminho da Europa, o Ceará é banhado não só pelas suas praias, mas por muito sol e vento, o que lhe garante condição única de protagonizar globalmente entre os maiores produtores de hidrogênio verde.
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Logisticamente, conta com o Complexo Portuário do Pecém, que atrai investimentos nacionais e internacionais, resultando em um conjunto de fatores positivos que habilita o estado a contribuir para o avanço na matriz energética limpa e para a urgente necessidade de descarbonização da economia, além de elevar a presença do Brasil entre os países ambientalmente mais responsáveis. É o Brasil que mostra sua face verde.
“Com um volume total de investimentos da ordem de R$ 150 bilhões em projetos de hidrogênio verde até 2030, o Brasil já se posiciona como um dos grandes protagonistas globais nessa nova economia energética”, afirma Luis Viga (foto), presidente do Conselho da Associação Brasileira da Indústria de Hidrogênio Verde (ABIHV). Dentro desse cenário promissor, ele diz que o Porto do Pecém pode receber mais do que a metade desses projetos de investimento, consolidando-se como um dos principais polos de produção e exportação de hidrogênio verde.
Os números revelam que o Brasil tem todas as credenciais para liderar essa transformação. “O protagonismo do país, alicerçado em fontes renováveis abundantes e em uma política industrial cada vez mais voltada à sustentabilidade, encontra no Ceará um exemplo concreto de como a inovação, a infraestrutura e a visão de futuro podem caminhar juntos para posicionar o Brasil na vanguarda da energia limpa mundial”.
“Com um volume total de investimentos da ordem de R$ 150 bilhões em projetos de hidrogênio verde até 2030, o Brasil já se posiciona como um dos grandes protagonistas globais nessa nova economia energética.”
Luis Viga, presidente do Conselho da ABIHV
Com formação em Engenharia de Petróleo e Gás Natural, o professor Murilo Luna (foto), do Departamento de Engenharia Química da Universidade Federal do Ceará (UFC) é um entusiasta do tema das energias renováveis e também vislumbra um cenário bastante favorável para o Brasil e para o Ceará. Como secretário executivo da Rede de Pesquisa e Inovação em Energias Renováveis, que conta com 26 unidades de pesquisas multidisciplinares e 14 instituições públicas e privadas, ele diz que o Brasil já é reconhecido pela energia limpa necessária para a produção de hidrogênio verde.
“Não se faz nada com a falta, mas se faz muito com o que temos de sobra que é a energia de diferentes fontes, todas limpas”, afirma Murilo. Ele destaca as inúmeras vantagens competitivas para que o Brasil evolua de um hidrogênio cinza, a partir do gás natural, ainda gerador de CO², para o hidrogênio verde, transportável e passível de armazenagem, capaz de abastecer os mercados local, nacional e internacional.
“O hidrogênio verde pode ser o combustível limpo do futuro”, acredita ele, vislumbrando o uso desta energia na frota brasileira de veículos ainda movida enormemente por energia proveniente do petróleo. O professor Murilo também lembra que o hidrogênio verde é estratégico para a produção de amônia e de fertilizantes para o agronegócio brasileiro, perigosamente dependente de importação.
Então, qual é o gargalo? É o preço menor do hidrogênio cinza, o que impede o avanço do consumo do hidrogênio verde que tem custo maior de produção. O fato, entretanto, não é suficiente para frear o ânimo de quem pesquisa e sabe que é possível a criação de um hub do hidrogênio no Ceará pelas condições favoráveis de clima e localização e para acelerar a industrialização do estado. “Se os memorandos de entendimento assinados com o governo cearense virarem realidade e as empresas se estabelecerem no Ceará, o processo de industrialização ganhará impulso acelerando a descarbonização”, comenta.
“O hidrogênio verde pode ser o combustível limpo do futuro.”
Murilo Luna, professor do Departamento de Engenharia Química da UFC
Ainda neste ano, devem virar contratos definitivos os seis pré-contratos assinados para produção de hidrogênio verde com as empresas AES, Casa dos Ventos, Fortescue, FRV, Voltalia e Fuella AS somando investimentos de US$ 24 bilhões. Além destes, tramitam outros 37 projetos nacionais e internacionais. Para isso, a estrutura do Complexo e do Porto do Pecém será modernizada com a criação de um corredor de utilidades para circulação dos dutos de amônia, gás natural, hidrogênio, água e a rede de energia elétrica.
Também o píer 2 e o terminal de múltiplas utilidades do Porto devem sofrer adaptações, além da construção de uma nova subestação com linha de transmissão para garantir energia suficiente para os eletrolisadores.
Os valores serão financiados pelo Banco Mundial (US$ 90 milhões) e CIF (Climate Investment Funds) – US$ 35 milhões – com contrapartida de US$ 10 milhões da CIPP S/A. O Pecém também ganhará um Centro de Inovação em Combustíveis Renováveis.
Preparado, o Pecém poderá exportar o hidrogênio para a Europa pelo Porto de Roterdã, parceiro do governo cearense no Complexo. A estimativa de produção é da ordem de 1,0 milhão de toneladas/ano em 2030, capaz de atender a 25% da demanda de importação de Roterdã.
O diretor do Sindienergia Ceará, Gustavo Silva (foto), diz que o mundo passa por uma transformação, retratada, entre outras, pelas mudanças climáticas que têm o setor energético em sua cadeia como responsável por 70% das emissões de gases de efeito-estufa.
A solução, segundo ele, passa pela transição energética que não é apenas a troca de fontes fósseis por renováveis. Mais do que a substituição das fontes, ele defende eficiência energética, eletrificação dos processos industriais e mudanças de rotinas e posturas. “Com mais de 90% do ano com sol e calor, o Nordeste não deveria ter chuveiro elétrico que exige alta potência em horário concentrado”, exemplifica. A lista inclui a descarbonização através de reflorestamento e equipamentos para a retirada do carbono.
Em sua análise, Gustavo Silva coloca as questões climáticas e geopolíticas como oportunidades para o hidrogênio verde, quebrando a relação de dependência das fontes fósseis. Também a inteligência artificial, que precisa de muita energia limpa em seus datacenters, abre espaço para esta fonte energética limpa. O hidrogênio verde é capaz de ser transportado na forma de gaseificação, liquidificação ou derivado de hidrogênio, como a amônia, insumo onde o Ceará se configura como maior exportador.
Sobram oportunidades e projetos. Falta ambiente de negócio.
“Para usufruir do protagonismo em energias limpas, o Brasil precisa de uma reestruturação econômica e um realinhamento político com regras claras.”
Gustavo Silva, diretor do Sindienergia Ceará
O diretor do Sindienergia Ceará cita a Europa como um bom modelo a ser seguido. Lá, por lei, o governo promove o mercado ao obrigar o consumo local. As aeronaves, por exemplo, têm que ter pelo menos 2% de SAF, combustível alternativo ao querosene de aviação, o que faz rodar toda a cadeia econômica. Também aumentou a taxação de projetos de elevada emissão de gases de efeito-estufa. E obriga a entrega de Relatórios semestrais de Sustentabilidade com relatos de práticas de ESG que passarão a ser trimestrais. Desde 2024 passou a exigir que todos os projetos financiados sejam verdes.
“O Brasil pode ser o grande fornecedor mundial de energia limpa desde que faça a lição de casa”, afirma. Ele refere-se à necessária segurança jurídica dentro de planejamentos estratégicos de médio e longo prazos que contemplem uma adequada estruturação financeira para garantir competitividade frente à China, Europa, EUA e Oriente Médio.
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