A safra do caju está chegando e, com ela, renovam-se as esperanças dos produtores cearenses, especialmente após o longo período de estiagem registrado na segunda década do Século XXI. Com uma leve melhora nos índices pluviométricos em 2020, abre-se espaço para uma retomada da antiga produtividade, algo como o desempenho que levou o Brasil ao 5º lugar mundial alcançado em 2011. Com investimentos em pesquisa, a meta é tornar-se mais competitivo, tanto no mercado de castanhas como no de seu pseudofruto, o caju, mesmo ante a reclamada falta de incentivos governamentais. Outra questão problemática é a defasagem tecnológica em relação a países concorrentes.
Independentemente do período de seca, acentuado de 2015 a 2019, o Ceará foi o segundo estado que mais aumentou sua produtividade nesse segmento no Nordeste nos últimos anos, de acordo com estudo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene). De 2012 a 2018, teve um incremento no desempenho de 216,7%, alcançando 325 kg/ha em 2019, perdendo apenas para o Piauí, que cresceu 511,1%. É a hora de microrregiões produtoras como Cascavel, Litoral de Aracati, Chorozinho e Baixo Jaguaribe se destacarem.
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Mesmo assim, executivos reconhecem que há um caminho bastante longo a seguir para que o potencial da atividade possa ser amplamente aproveitado. É o que ressalta Cleber Vidal, diretor comercial da Onvit, empresa com capacidade para produzir sete mil toneladas de castanha in natura por ano. “O Brasil tem aproximadamente 800 mil hectares cultivados em caju, e, desses, mais de 75% são cajueiro comum (gigante). Estima-se que metade dessa área esteja abandonada. Nesse sentido, nossa produtividade é a mais baixa do mundo”, lamenta.
Vidal acrescenta que as médias nacionais, pouco acima de 100 quilos de castanha de caju por hectare, estão ainda muito distantes do ideal, o que, com um cultivo mais intensivo, contando com variedades melhoradas e melhor adaptadas a cada microrregião, esses índices podem ultrapassar 2 mil Kg/ha. Tendo o processo amparado por sistemas de irrigação, tal valor pode ainda dobrar.
“Com essas informações, podemos facilmente ver que retomar o posto de maior produtor e beneficiador é viável, cabendo aos interessados, nós das indústrias juntamente com os produtores, somarmos esforços no replantio dessas áreas, utilizando variedades melhoradas pela Embrapa agro-industrial, que, mesmo não sendo novidade há vários anos, ainda são muito pouco utilizadas”.
Cleber Vidal, diretor comercial da Onvit
A Natvita, cujos principais produtos são o suco clarificado (termo técnico para cajuína) e a polpa de caju, recebendo apenas o pedúnculo sem castanha para processamento, também enfrentou problemas com o período de estiagem, o que impactou nos volumes e diretamente nos resultados, conforme o diretor executivo da empresa, Fernando Furlani. “O preço da fruta apresentou grandes variações, hoje está a R$ 0,35 e teve seu pico em 2012 a R$ 1,90. Neste cenário de 2012 ninguém ganhou, pois teve muito pouco caju para o produtor vender e a indústria comprou com prejuízo apenas para atender compromissos.
‘Revolução’ nos cajueirais
Em termos de concorrência, o que tem preocupado mais os produtores cearenses é o crescimento de novos players internacionais, como o caju colombiano, que começa a se organizar, e a consolidação de mercados há tempos pujantes para a amêndoa, como o asiático, que paulatinamente têm ganhado espaço junto aos consumidores norte-americanos e europeus. Diante da ascensão de produtores de Índia, Vietnã e Holanda, o Brasil é hoje apenas 14º mercado do mundo, com a maior parte de sua área colhida no Ceará.
“Neste setor de suco de caju, o Brasil é pioneiro, tem a melhor tecnologia e de longe processa a maior quantidade de fruta. O produto já chegou a ser uns dos três sucos mais consumidos no Brasil e começou a perder espaço no mercado justamente nos anos de escassez da fruta, onde outras foram tomando espaço na prateleira do supermercado. O consumo de suco de caju no exterior é praticamente nulo pois o sabor adstringente, característico provocado pelo tanino, não agrada o paladar dos mercados tradicionais”
Fernando Furlani, diretor executivo da Natvita
O executivo afirma ainda que experiências de sondagem de mercado já foram realizadas em países como Portugal, França e Alemanha com resultados práticos de geração de negócio.
Para reverter o quadro desfavorável, boa parte dos produtores está buscando substituir os antigos cajueirais de maior porte pelo chamado anão precoce. Desenvolvida pela Embrapa, essa variedade conta com a promessa de aumentar a produtividade em até três vezes, com seu porte mais favorável aos tratos culturais e propalada maior resistência a pragas. Um bom indício de que de fato há retorno nessa alteração foi que no ano de 2017 houve um aumento da produção de 161,9%, como resultado do processo de substituição de copas em cajueiros gigantes e plantio de novas áreas com cajueiro anão, segundo aponta o levantamento da Etene. Naquele ano, o Estado atingiu a marca de aproximadamente 60% da produção nacional.
“Hoje, praticamente todo o pedúnculo de caju recebido na indústria é de cajueiro anão precoce. O cajueiro antigo ou gigante, apesar de ter maior índice de açúcares e maior acidez, características valorizadas para suco integral destinado à diluição, tem menor rendimento, além de ter problemas na colheita porque o fruto cai no chão partindo a pele fina acelerando a deterioração”, argumenta Furlani.
“Cajueiro anão foi o melhor ponto, disparado, que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) ofereceu à cajucultura”, qualifica Gustavo Saavedra, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da instituição, exaltando a chamada tecnologia clonal do processo. “Com os clones, você consegue mudar a lógica de produção do caju. A cadeia toda hoje se sustenta em cima da amêndoa. Isso é 2% do esforço de produção de todo o maquinário produtivo da planta. Em outras cadeias, isso seria praticamente a falência. Na do caju isso funciona, embora não muito bem, mas funciona”, explica o pesquisador.
Saavedra se refere ao processo de perecimento do caju, que começa imediatamente quando este cai no chão. A castanha é aproveitada, mas não o pseudofruto, pois sua pele é muito fina e logo acaba apodrecendo. “Quando você muda para a lógica do anão, começa a dar um sistema de produção para a planta, consegue manejá-la, fazer com que atinja mais ou menos dois metros de altura, terá podas sucessivas, com plantas de maior produtividade e acaba fazendo com que na mesma área se consiga mais castanha e consegue colher o caju”, pontua.
Ainda que represente uma mudança de paradigma para produtores e industriais da cajucultura, resultando em ganhos expressivos em produtividade, a mudança nos pomares ainda ocorre de forma muito lenta no Ceará. Segundo Saavedra está apenas em torno de 30% dos cajueirais.
“Tecnicamente, era para hoje, com 700 mil hectares produtivos de cajueiro, sermos o segundo ou o terceiro maior produtor de caju do mundo, e somos apenas o 11º. E muito longe do décimo. Porque tanto em nível federal como dos principais estados produtores as políticas públicas não previam adoção de tecnologia, da mudança do modus produtivo da cajucultura”, comenta o pesquisador.
Oportunidade à vista
O diretor comercial da Onvit, Cleber Vidal, considera que o prolongado período de seca que atingiu o Ceará nos últimos anos acaba tendo pouca participação na defasagem de nossa produção em relação à concorrência internacional. “É importante ressaltar que o Vietnã é o maior beneficiador de amêndoa de castanha de caju do mundo já há mais de 20 anos, porém depende 100% de importar matéria prima (castanha de caju in natura) da África, pois sua produção interna abastece menos de 5% do consumo. Portanto, as fortes estiagens pouco têm a ver com o declínio do Brasil como exportador da amêndoa de castanha de caju. O mérito do Vietnã é exclusivamente proveniente do fato de ter a tecnologia do beneficiamento desenvolvida e constantemente melhorada, da qual se tem um aproveitamento que chega a ser 80% maior do que o obtido pelo sistema de beneficiamento utilizado no Brasil”, calcula Vidal.
Para o executivo, o principal ponto de melhoria que o mercado local deve focar é no sistema de beneficiamento. Entretanto, acrescenta, há uma boa oportunidade à mão dos produtores brasileiros. “Se conseguirmos ter os mesmos índices de produtividade que os encontrados por lá (no Vietnã), seremos tão ou até mais competitivos, porque diferentemente deles, temos como produzir nossa própria matéria prima aqui, sem depender de importações, o que consequentemente os deixa reféns de variações cambiais ou aspectos políticos adotados pelos países africanos produtores de castanha in-natura, que não oferecem estabilidade”, explana.
Reforço na cadeia primária
Com produção nos municípios de Chorozinho e Pacajus, a Ceará Amêndoas é uma das empresas que têm optado por novas mudas. Mas para o diretor Rafael Ferreira, a questão não é a mais preponderante para tentar encarar de igual para igual mercados emergentes. “Eu apostaria no anão precoce, mas não diria que esse é o problema, pois o do Vietnã é todo pé franco, daqueles grandes. A gente precisa cada vez mais de mudas, não só para os grandes, mas para os médios produtores também, para que possamos trocar nossos pomares, fazendo substituição de copa, essas coisas todas. Precisamos realmente de incentivo para reforçar nossa cadeia primária, que é o campo”, avisa ele.
Para que o Estado possa recuperar o protagonismo nas exportações, o produtor pede mais investimento do poder público, seja para adquirir insumos, adubos, grades ou tratores com desconto, ou simplesmente oferecer um suporte técnico.
“Precisamos de mais recursos e treinamento para nosso plantio. Por que acho que o Vietnã salta na nossa frente? Primeiro porque acho que eles têm uma mão de obra muito barata, e acho que devem ter algum incentivo do governo nisso. Segundo, têm um acompanhamento melhor no campo. E a gente também precisa disso. Se conseguirmos fazer uns tratos culturais bem precisos e contar com treinamento de nosso pessoal, aí a gente consegue levantar nossa cadeia primária”
Rafael Ferreira, diretor da Ceará Amêndoas
Vidal reforça o coro por maior apoio governamental, enfatizando que os esforços junto ao segmento devem ser de todos os integrantes da cadeia produtiva e deveriam se concentrar no acesso ao crédito e na universalização do apoio tecnológico. “A produção de caju não tem nenhum benefício próprio nem apoio institucional. Embora o que haja de melhor em tecnologia tenha sido desenvolvido aqui, a baixa adesão de produtores pelas práticas de produção mais modernas e com maior produtividade mostra que existe uma grande limitação no acesso”, conclui.
Para o diretor da Onvit, isso tudo ocorre tanto por questões financeiras – entre elas pela dificuldade em obter crédito para implantação de novos pomares – como por falta de acesso à informação oriunda da escassez de programas de extensão rural, além do distanciamento entre produtores e indústrias, que são complementares, mas que, na prática, pouco se relacionam.
Já Furlani direciona seus apelos ao governo para os incentivos fiscais. “Seriam muito bem-vindos. A carga tributária muitas vezes inviabiliza a comercialização no mercado nacional. Campanhas de valorização do produto regional, como a cajuína, seria uma grande ajuda, pois este produto é praticamente desconhecido Brasil afora”, sugere ele.
Perspectivas, atrasos e novos produtos
Apesar de todas as questões, a expectativa de Fernando Furlani é positiva para o mercado de suco de caju e cajuína nos próximos meses, graças em boa parte à trégua na longa estiagem. “O período de chuvas prolongado atrasou o início da safra mas nada que possa causar grande impacto, a não ser comece as próximas chuvas muito cedo em dezembro por exemplo. Esperamos uma produtividade maior no campo e um volume 30% maior de pedúnculo processado na indústria”, calcula. Além disso, avisa o executivo, a Natvida está desenvolvendo novos produtos a partir da fibra do caju. “Chamamos de Plant Base Meat uma base vegetal para atender ao novo e crescente mercado de carne vegetal. A fibra de caju processada adequadamente, nesse processo desenvolvido por nós, se mostrou uma das melhores bases para esse novo mercado”.
Por outro lado, o cenário imposto pela pandemia do novo coronavírus acabou postergando certas demandas da indústria. “Como buscamos a introdução de novos produtos no mercado internacional, isso atrapalhou os planos de exposições e feiras internacionais foram canceladas, como Foodex Japão e Sial Paris, além de negócios em andamento que foram colocados em espera, a exemplo do “cashew syrup” ou mel de caju.