No dia 16 de março, quando o Governo do Ceará decretou emergência em saúde pública, setores não essenciais foram impactados pela medida, que visava à contenção do avanço do vírus pelo território cearense. A indústria da construção civil, líder na participação do Produto Interno Bruto no Estado, foi uma das atividades mais afetadas, tendo de antecipar férias de funcionários logo no início da norma estadual para evitar aglomerações. Mas foi a primeira dentre muitos segmentos a emergir do período de lockdown, imposto no início de maio.
Pouco mais de dois meses desde a retomada desta indústria, que voltou a assentar tijolos desde o início de junho, o setor vem se reconstruindo após uma temporada essencial de represamento. São mais de 200 canteiros de obras operando com 100% de sua capacidade espalhados pela Capital e Região Metropolitana, conforme Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado do Ceará (Sinduscon-CE).
Neste período de isolamento social rígido, lançamentos foram postergados, mas os estoques disponíveis foram se reduzindo rapidamente. “Muitas pessoas perceberam, confinados em casa, que precisavam de espaços maiores. O mercado melhorou neste último mês”, justificou Patriolino Dias de Sousa, presidente do Sinduscon-CE .
Um dos fatores que impulsionaram o setor, mesmo que timidamente, de acordo com Dias de Sousa, foi a queda da Selic, taxa básica de juros que influencia empréstimos, financiamentos e aplicações financeiras. A taxa caiu sucessivamente até atingir a marca de 2% ao ano neste mês, o menor patamar da história no Brasil. Em agosto de 2019, o Banco Central definiu a taxa em torno de 6% ao ano. “Qualquer pessoa que aplicava no mercado, na renda fixa, estava acumulando dinheiro. Soma-se a isso as ‘ressacas’ que os investidores tiveram com a Bolsa de Valores”, continuou.
Panorama do setor
Mais de 60.500 pessoas trabalham formalmente na indústria da construção no Estado, conforme levantamento do Observatório da Indústria, com dados mais recentes do Ministério da Economia. Destas, mais de 25 mil estão ocupadas em construções de edifícios e cerca de 15 mil se distribuem em obras de infraestrutura para energia elétrica, água, telecomunicações e esgoto, além de construções de rodovias, ferrovias e obras urbanas.
Detentor do primeiro lugar no ranking do PIB cearense, o setor tem cerca de 4,2 mil estabelecimentos atuando neste mercado e possui fatia de 4,5% na participação da economia estadual, de acordo com o monitor da Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec).
Antes, durante e depois da pandemia
Como forma de driblar os impactos econômicos ocasionados pelo período pandêmico, houve mobilização do Sinduscon-CE para incentivar construtoras a antecipar férias de colaboradores e afastar servidores pertencentes a grupos de risco, como diabéticos, hipertensos ou doentes crônicos renais, e aqueles com mais de 60 anos.
A BSPar Incorporações, por exemplo, que atualmente possui uma obra em andamento, avisou aos cerca de 170 operários e colaboradores do empreendimento que os contratos seriam suspensos, mas que, após o fim do período de isolamento, poderiam retornar ao serviço. Salários foram mantidos com ajuda da Medida Provisória do Governo Federal.
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Para a retomada dos trabalhos no dia 1º de junho no grupo, um comitê interno foi estruturado por colaboradores para elaboração de protocolo de saúde. Funcionários também responderam a questionários para detecção de possíveis riscos de contágio. Dentre as principais recomendações que integram o documento estão o uso obrigatório de máscaras, monitoramento diário da temperatura corporal e disponibilização de álcool em gel e, especificamente em áreas administrativas, houve flexibilização da jornada de trabalho presencial com home office em dias alternados por equipes.
Nas duas primeiras semanas de retomada das atividades, foram 46 visitas realizadas e três contratos fechados, segundo o grupo. Para o futuro, a construtora aposta no digital: em maio, foi criado o BSPAR App, plataforma voltada para corretores de imóveis, principal ponto de convergência entre o comprador e as empresas do mercado imobiliário.
No aplicativo, profissionais podem ter acesso a dados sobre promoções, comunicados, tabelas, vídeos e galeria de fotos dos empreendimentos. “A gente vê uma adaptação às tecnologias, mas isso não impede que os clientes queiram conhecer o imóvel quando ele está pronto. O digital ajuda nos empreendimentos que não estão prontos, mas, mesmo com o tour virtual, ele sente a necessidade de conhecer presencialmente”, ponderou a superintendente comercial do grupo, Renata Santos.
De acordo com a Diagonal Engenharia, a retomada seguiu as recomendações de órgãos internacionais de saúde e de entidades reguladoras do segmento da construção civil. Para garantir a segurança de seus colaboradores, seja em canteiros de obras, no setor de visitas aos ambientes decorados ou em seu escritório, a empresa recomendou distância mínima de dois metros entre os trabalhadores, indicou evitar o compartilhamento de objetos de uso pessoal, incluindo equipamentos e ferramentas, e restringiu o acesso de pessoas que não estão ligadas diretamente às obras. Ambientes de higienização também foram disponibilizados. Aferição de temperatura dos funcionários é feita diariamente.
Além disso, o grupo afirma ter assegurado, por dia, cerca de quatro máscaras, de cores diferentes, para cada colaborador: duas para uso no percurso casa e trabalho e outras duas na utilização nos turnos trabalhados.
“Tivemos que nos adaptar a uma nova maneira de trabalho e esperamos que tais mudanças possam ajudar a restabelecer a normalidade não só de nossas atividades, mas de todos os setores. As ações adotadas possuem um só objetivo, garantir ao trabalhador exercer suas funções sem risco a si, aos colegas de trabalho e sua família”, disse Reginaldo Parente, diretor técnico da Diagonal.
Espaços públicos
Uma das consequências da pandemia do novo coronavírus no segmento, aponta Luciano Ramos, presidente da Câmara Setorial de Construção Civil e Imobiliária, é o novo olhar do mercado sobre espaços públicos da cidade e “na qualidade desses espaços que a gente pode gerar”. Segundo Ramos, existe um campo fértil de parcerias entre os setores privado e público para qualificar ambientes urbanos. “Em loteamentos, por exemplo, as áreas verdes são doadas ao poder público e muitas vezes são abandonadas. Vai haver um movimento mais intenso, a partir de agora, de a iniciativa privada também assumir parcerias para manutenção desses lugares”, afirma.
Ainda de acordo com Ramos, não haverá uma efervescência no mercado nos dias que virão, apesar da indústria ter amadurecido desde 2013, quando foi atravessada por crises. “Não vamos lançar muitos empreendimentos. Estamos diminuindo com o número de estoques. A gente viu que a cidade continua a mesma e que a gente não mudou, vamos só nos apropriar com mais consciência do espaço que a gente gera”. E continuou: “Com relação à própria pandemia, seria um exercício de adivinhação saber como o mercado reagirá a isso”.