O semiárido é caracterizado pelo clima seco, com poucas chuvas e elevada evaporação de água. Dos 184 municípios do Ceará, 175, ou seja, 95%, estão inseridos nessa região, segundo classificação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em termos de área, são 98,7% do seu território enfrentando condições adversas de solo e clima. Mas o […]

Soluções inovadoras geram oportunidades de desenvolvimento no semiárido cearense

Por: Anchieta Dantas Jr. | Em:
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O semiárido é caracterizado pelo clima seco, com poucas chuvas e elevada evaporação de água. Dos 184 municípios do Ceará, 175, ou seja, 95%, estão inseridos nessa região, segundo classificação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em termos de área, são 98,7% do seu território enfrentando condições adversas de solo e clima. Mas o que poderia ser um impeditivo para o desenvolvimento regional, acabou resultando em oportunidades. Redirecionando o foco das políticas públicas de simples combate à seca para aquelas que proponham soluções inovadoras a fim de tirar o melhor proveito das potencialidades econômicas, hídricas e ambientais do semiárido, o Estado já colhe os frutos, assim como enxerga novos horizontes para avançar economicamente no Interior.


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“O Ceará é basicamente semiárido. Então, sempre foi um grande desafio enfrentar as suas características. Hoje em dia não se pode mais apenas replicar o modelo de combate à seca para desenvolver a agropecuária, a principal atividade econômica do semiárido. Combater a seca por si só não resolve o problema. Não é só uma questão de água. Por isso, tivemos que pesquisar e adotar novas tecnologias para, além do uso racional dos recursos hídricos – captação, armazenamento e utilização -, adaptar as culturas para potencializar os resultados”, afirma Genésio Vasconcelos, supervisor do Setor de Prospecção e Avaliação de Tecnologias (SPAT) da Embrapa Agroindústria Tropical, subsidiária da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), no Ceará.

Nesse sentido, a Embrapa, em parceria com o poder público, o setor produtivo e as instituições de fomento, vem incentivando o uso de cultivares mais apropriadas às regras impostas pela natureza ao Estado, capazes de suportar as condições de temperatura, humidade e solo. “Isto inclui não só a agricultura, mas também a pecuária e a aquicultura”, frisa. Conforme disse, procurando direcionar o potencial científico e tecnológico para as peculiaridades do semiárido, a Embrapa vem gerando soluções com vistas a aplicá-las no setor produtivo, colhendo, dessa forma, os benefícios na ponta.

De acordo com Jair do Amaral, doutor em economia e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), nos últimos anos, a pecuária bovina leiteira tem expandido significativamente seu valor de produção no Estado, especialmente nas regiões do Jaguaribe e dos Sertões. Também tem chamado atenção a expansão do tamanho do rebanho de ovinos e caprinos, sobretudo nas regiões dos Sertões, Jaguaribe e Noroeste do Estado, e que tem servido à produção de carne e leite. Ele ainda destaca o crescimento do valor da produção da apicultura e tilapicultura. “E é importante observar que todos esses segmentos tiveram suas expansões obtidas com base na estratégia de se buscar adaptar as respectivas atividades dentro do quadro de particularidades e limitações do semiárido”, afirma.

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Amaral aponta que, historicamente, o setor agropecuário do Ceará ainda enfrenta problemas estruturais limitantes para a produção comercial e a geração de emprego e renda em grande escala. De acordo com ele, os problemas para o setor agropecuário cearense têm sido, desde sempre, as grandes e concentradas propriedades no semiárido, a presença do solo cristalino, a variação e a má distribuição espacial das chuvas e o baixo uso de tecnologia. “A tal ponto que, hoje, a participação desse setor na formação do Produto Interno Bruto (PIB) estadual está em torno de 5% a 6%, equivalente ao segmento do Turismo (antes da pandemia)”, afirma.
Na sua avaliação, o ponto central para a realização das mudanças estruturais do setor no Ceará é o desenvolvimento de pesquisas agropecuárias, tanto por parte do setor público como pelo lado do setor privado.

De olho na produtividade e no valor agregado

Nessa direção, explica Vasconcelos, da Embrapa Agroindústria Tropical, a empresa desenvolve pesquisas para agropecuária com base em três eixos e, assim, tenta modificar a realidade da produção do setor no semiárido cearense. A saber: aumento da produtividade, a fim de expandir a oferta de matéria-prima, agregação de valor e aproveitamento integral da produção. Tomando como exemplo a fruticultura, a Embrapa tem apostado em soluções como clones de fruteiras mais adaptadas às condições do semiárido, condizentes com as demandas tanto dos produtores locais como dos mercados atendidos, sejam eles nacionais ou internacionais. Em relação à produtividade, trabalha-se também o desenvolvimento adequado do manejo.

“Foram desenvolvidos protocolos de produção e comercialização, assim como incentivamos, por parte dos produtores, tecnologias voltadas não só para a colheita, mas também para o pós-colheita, que fazem com que os produtos sejam entregues em perfeitas condições ao consumidor final”

Genésio Vasconcelos, supervisor de Prospecção e Avaliação de Tecnologias da Embrapa

Nesse ínterim, acrescenta Vasconcelos, também foram pensadas tecnologias de processamento, a fim de aprimorar os processos internos da indústria e maximizar o produto, tendo em vista suas características nutricionais e de sabor. Porém, ele ressalta que é preciso agregar valor ao produto, mais do que aumentar a quantidade e a qualidade do que é produzido. Dessa forma, ajudaria o Ceará a competir com os grandes players do mercado. “Temos, por exemplo, os selos conferidos aos produtos. São selos de produção, como produtos orgânicos e agroecológicos e ainda os sociais para identificar o que é oriundo da agricultura familiar e de determinados grupos étnicos. Assim, não estamos falando apenas de um produto, mas de um produto com determinadas características que agregam valor”, expõe.

Ainda relacionado ao quesito agregação de valor, também são enaltecidas na comercialização as características intrínsecas aos produtos, como sabor, a quantidade de vitaminas ou a forma de processamento. Já no que diz respeito ao aproveitamento integral das culturas, segundo o supervisor da Embrapa, isso pode ser feito tanto na agricultura como na pecuária e aquicultura, aproveitando ao máximo todos os componentes e assim gerar novos negócios, ampliando e desenvolvendo as diversas cadeias produtivas. Bons exemplos são as culturas de coco e do caju.

“No caso do coco, além da extração da água, desde o processamento ao envaze, desenvolvemos tecnologias para aproveitar os resíduos como a casca. Além de resolvermos um problema ambiental, que seria o descarte, aproveitamos a fibra do coco, criando materiais voltados paras indústrias têxtil e da construção civil, assim como para a ambientação de interiores. O mesmo processo está sendo utilizado com o caju, onde além de extrair a castanha, estimulamos, a partir do pedúnculo, a produção de bebidas e fibras alimentares, voltadas sobretudos para alimentos veganos e vegetarianos. Sem esquecer de valorizar a casca da castanha de caju por meio do aproveitamento do LCC (Líquido da Castanha de Caju) e do resíduo sólido, que têm propriedades importantes e podem ser comercializados”, explica.

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Foco na inovação

Saindo da fruticultura tradicional do Estado, o supervisor do Setor de Prospecção e Avaliação de Tecnologias da Embrapa Agroindústria Tropical cita a produção de acerola na Serra da Ibiapaba. “Ali está sendo desenvolvida uma variedade de acerola exclusivamente para a obtenção de vitamina C, com rendimento superior. Ela é colhida inda verde, ponto máximo de obtenção da vitamina, segue para a indústria, onde é processada para extração e, em seguida, o produto é exportado para o mundo todo. Isso mudou toda a cultura de acerola na região para a produção orgânica”, expõe.

Outra inovação, aponta Vasconcelos, é aquela aplicada no polo moveleiro concentrado nos municípios de Marco, Cruz e Bela Cruz. “A madeira para a produção de móveis vem de outros estados. No entanto, a Embrapa, em parceria com o governo estadual, o setor privado e as instituições de fomento, está pesquisando e desenvolvendo espécies florestais, apropriadas ao semiárido cearense, para extração de madeira para fabricação de móveis. Em outras palavras, estamos ajudando aos produtores locais a não ficarem dependentes da matéria-prima de outros estados. Ou seja, a região poderá produzir a sua própria madeira, a partir da criação de florestas em pleno semiárido, gerando mais empregos e renda”, comemora.

Cada vez mais é uma tendência se valorizar a matéria-prima produzida no semiárido, principalmente a não comestível, mas que pode aumentar a criação e a oferta de produtos de alto valor agregado para diversas indústrias, a exemplo da química, possibilitando a fabricação de corantes, fragrâncias, produtos biológicos e agro defensivos. São as chamadas matéria-prima de base vegetal, biomassa. “Estes são só alguns exemplos do que pode ser viabilizado por meio da pesquisa e da implementação de tecnologias a fim de agregar valor e aproveitar integralmente as matérias-primas e ampliar as oportunidades de desenvolvimento do semiárido, atraindo novas indústrias para perto dos produtores, gerando novos negócios”, destaca Genésio Vasconcelos.

Ainda na esteira da inovação, complementa Julio Cavalcante, secretário executivo de Comércio, Serviços e Inovação da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho do Estado (Sedet), o Ceará comemora a sua primeira colheita de trigo, que gerou resultados considerados surpreendentes, segundo os especialistas. A colheita foi de 8,5 toneladas de trigo em uma área de 1,6 hectare, o que representa uma produtividade de 5,3 toneladas por hectare na primeira colheita. Devido as características do solo, as sementes tiveram que ser ajustadas às condições locais.

O plantio experimental de trigo no Ceará é resultado de uma parceria entre a iniciativa privada e de pesquisadores da Embrapa. No primeiro teste, obteve-se como resultado uma produção mais acelerada. Do plantio até a colheita, foram necessários 75 dias em solo cearense. Normalmente, o cereal é colhido em até 180 dias no restante do País. Nesse contexto, o potencial para geração de energias renováveis também abre espaço para novos negócios no semiárido cearense. De acordo com Cavalcante, notadamente a energia solar. “Este é outro setor que pode viabilizar toda uma cadeia desde a geração de energia à produção de equipamentos”, fala. Também não se pode deixar de lado, lembra, o projeto de um Centro de Tecnologia em Cultivo Protegido no Ceará, localizado no Cariri, previsto para entrar em operação no primeiro semestre de 2021. “Todos esses exemplos são o resultado de um trabalho inteligente, conjunto com várias instituições, tendo como base investimentos em educação, pesquisa e inovação”, avalia.

Políticas para a atração de novos negócios

No entanto, além dos investimentos em pesquisa e inovação no sentido de aumentar a produtividade e agregar valor aos produtos, complementa o secretário executivo da Sedet, as políticas públicas estaduais voltadas para o semiárido vêm explorando outras frentes importantes. Investimentos na ambiência de negócios e na educação, melhorando a qualidade do capital humano no Estado e incentivando o empreendedorismo entre os jovens, assim como o foco na tecnologia de informação e comunicação, também têm o seu papel na promoção do desenvolvimento regional.

“Nossa Junta Comercial é reconhecida pela agilidade na constituição de empresas, contamos também com o apoio de órgãos como o Sebrae e instituições privadas, facilitando, assim, a vida dos investidores. Ao mesmo tempo, temos um ensino fundamental de qualidade reconhecido nacionalmente e que também começa a se refletir no ensino médio. Implementamos ainda 122 escolas profissionalizantes em todo o Estado e possuímos três universidades federais e os Centros Vocacionais. Tudo isso gera oferta de mão de obra qualificada, o que é atrativo para os investidores”

Julio Cavalcante, secretário executivo de Comércio, Serviços e Inovação da Sedet

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No que tange à tecnologia da informação e comunicação, Cavalcante destaca a política implementada pela Empresa de Tecnologia da Informação do Ceará (Etice), por meio da qual terceirizou o armazenamento de dados governamentais em nuvem, atraindo grandes provedores desse tipo de serviço para o Ceará, que, em contrapartida tiveram que investir no Estado igual valor ao que foi contratado. Isso fez com que a Amazon Web Service, por exemplo, criasse um Centro de Competência de Transformação Digital, em parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), Universidade de Fortaleza (Unifor) e outras instituições.

“Esse centro também tem auxiliado na formação e no incentivo ao empreendedorismo entre os jovens em todas as regiões do Estado, possibilitando a abertura de startups que visam fornecer soluções para os clusters econômicos focados pelo governo estadual. Entre eles o agronegócio”, conta. Um exemplo, coloca Cavalcante, são jovens de Quixadá que desenvolveram uma solução tecnológica para a criação de camarão em cativeiro, por meio da Internet das Coisas.

Para o secretário executivo da Sedet, ao lado da formação, a infraestrutura digital disponível no Estado, como o cinturão e os corredores digitais têm transformado a economia do semiárido. “O acesso à internet, o armazenamento em nuvem, a educação e as inovações tecnológicas proporcionadas pelas startups criadas em todo o Ceará estão possibilitando a adição de novos negócios à economia do semiárido. Além do agronegócio, novos setores vão sendo inseridos no setor produtivo local”, afirma.

Não é à toa, relata Cavalcante, que empresas de tecnologia, como o Fit Bank, que fornece soluções para os grandes bancos digitais brasileiros, ter vindo se instalar no Ceará. “Em 2020, eles abriram uma filial em Fortaleza e, agora, estão se expandindo para o Interior, contratando mão de obra local. Tudo isso é reflexo da política de interiorização da educação e dos investimentos em tecnologia da informação e comunicação”, fala. Nesse contexto, Cavalcante reforça ainda a infraestrutura logística e a posição geográfica privilegiada do Ceará. “Temos aí os hubs aéreo e marítimo, conectando os produtores de todas as regiões do Ceará com os mercados nacional e internacional, ajudando a escoar a sua produção”, conclui.

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