Os 573 km de extensão da costa oceânica cearense sempre conquistaram olhares pela beleza e também pelas boas oportunidades de negócio. Mas a crise provocada pelo novo coronavírus trouxe desafios ao setor durante o ano de 2020. De acordo com Ozinar Costa, diretor do Sindicato das Indústrias de Frio e Pesca no Estado do Ceará (Sindfrio) e sócio-fundador da Netumar Pescados, o mercado nacional, incluindo o cearense, sentiu o impacto da pandemia de diferentes formas.
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“Uma delas nos produtos que são importados. Com o dólar alto, por exemplo, tivemos problemas de aquisição dos produtos vendidos na Europa, porque lá houve restrição de produção. Então tivemos menos produtos para exportar e ainda com o preço bem mais caro. Nas vendas do mercado interno, como houve o fechamento do comércio, principalmente essa cadeia de restaurantes e hotéis, isso impactou alguns distribuidores. Mas, por outro lado, como a parte de supermercados continuou funcionando, deu uma compensada. No meu caso, minha empresa teve uma queda de faturamento de 21%. Mas deu para sobreviver. No começo, a gente pensava que seria muito”, avalia.
Dois seres têm desempenhando papel principal no cenário do pescado cearense: o atum e a lagosta. A inserção da pesca do atum é uma das ações que fortaleceu o setor nos últimos anos. A boa repercussão desse peixe vem gerando uma cadeia em torno do produto que tem motivado vários investidores. E quem confirma isso é Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Trabalho (Sedet). “A gente tem evoluído na pesca de atum a cada ano e temos possibilidade de crescer ainda mais. Na cadeia do atum, empregam-se aproximadamente cinco mil pessoas, desde a indústria, com cerca de 500 pessoas, até as embarcações”, destaca.
Carlos Eduardo Vilaça, diretor do Departamento de Registro e Monitoramento de Aquicultura e Pesca da Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), empresário associado ao Sindfrio e líder do Masterplan de Economia do Mar, também comenta o desenvolvimento da pesca de atum que tem acompanhado. “Estávamos no zero e, de repente, passamos para 15 mil toneladas anuais de atum. Hoje em dia, esse peixe tem dominado a alimentação no Estado e faz parte do cotidiano pelo preço acessível”.
De acordo com Sílvio Carlos Ribeiro, a maior parte desse atum vai para as indústrias conserveiras no Estado. “A indústria conserveira, onde se produz conservas não só de atum, mas de sardinha, tem encontrado no Ceará um local para crescer e investir, então ela tem absorvido bastante o atum produzido aqui, exportado com qualidade, ganhando certificações. É um novo cenário para o setor da pesca”, ele ressalta.
“Precisamos melhorar a estrutura de pesca, das embarcações e da recepção desse pescado. Também a própria equipe que trabalha na pesca. O Governo do Estado, juntamente com o Ministério da Agricultura, tem feito um trabalho para essa melhoria da equipe, também para termos condições de gerar uma melhor qualidade do atum. O atum que pescamos aqui tem sido muito atrativo para a indústria conserveira. Mas quando você passa para sushi, sashimi, para o mercado nobre, precisa de uma melhor qualidade”
Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Sedet
Lagosta
Apesar de todo o volume, o atum ainda está longe de ter um faturamento como o do recurso mais nobre do Ceará, a lagosta. “Na pauta da exportação, a lagosta continua em primeiro lugar. E ela tem um potencial muito grande. Ao longo dos anos, o Ceará foi entendendo que a lagosta inteira, viva, tem um valor agregado maior”, pontua Sílvio Carlos Ribeiro, secretário executivo do Agronegócio da Sedet.
“A lagosta está passando por essa transformação bem interessante, porque ela deixou de ser um produto commodity, meio trivial, comum, e está cada vez mais tendendo a ser vendida na sua forma inteira. O mercado, principalmente internacional, começou a exigir essa qualidade e a indústria cearense está se adaptando. E isso é interessante porque começa a agregar valor ao produto que está embaixo da água”
Carlos Eduardo Vilaça, diretor na Secretaria de Aquicultura e Pesca do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
De acordo com a Sedet, o mercado da lagosta gera aproximadamente 10 mil empregos. Além disso, o setor tem um valor expressivo na produção do PIB estadual. Há uma estimativa de que a lagosta movimenta em torno de R$ 400 milhões por ano, enquanto o atum deve movimentar em torno de R$ 60 milhões por ano. “São dois números importantes se a gente pensar que o PIB do Ceará é por volta de R$ 4,5 bilhões. Só a lagosta teria praticamente 10% do valor da produção agropecuária, incluindo agricultura, pecuária e pesca”, avalia Silvio. “Agora, no período mais crítico da pandemia, nós tivemos alguns problemas. Perdemos um mês da pesca da lagosta porque as embarcações não estavam permitidas. A tripulação também reduziu bastante. Mas ainda estamos avaliando esses números”, comenta.
Expectativas para 2021
Sobre o futuro, a retomada da exportação continua sendo a pauta principal do mercado de pesca. E isso inclui, cada vez mais, apostar na melhoria da qualidade dos produtos. “Nós exportamos lagostas com um valor por volta de US$ 60 milhões, mas a gente pode chegar a um valor maior só aumentando a qualidade. Por exemplo, a lagosta viva que é muito apreciada na Ásia e tem um valor agregado muito grande, a gente pode ter esse incremento com a qualidade da lagosta e não com o volume dela”, explica Silvio Carlos. “Recentemente, vimos atuns de 200 kg sendo vendidos a R$ 1 milhão. Os japoneses, por exemplo, gostam muito do atum e já vieram nos perguntar sobre a qualidade do peixe para levarem para o Japão ou São Paulo. É um nicho de mercado muito bom”, reforça.
A questão da sustentabilidade também tem ganhado destaque para potencializar o mercado de produção do pescado. “A riqueza mesmo é o que está embaixo da água e, para garanti-la, temos que tirar da natureza menos do que ela é capaz de repor por reprodução e crescimento. É a história da sustentabilidade. Com essa exigência nacional do que tem que estar alinhado com políticas de sustentabilidade, é preciso fazer essa transformação. O mercado de produção nacional está se adaptando ao mercado dos itens de consumo internacional. Porque cerca de 95% da produção é exportado”, observa Carlos Eduardo Villaça. “Minha parte é tentar trazer esse conceito de governança. Enquanto tiver governança, conseguimos falar de sustentabilidade. Enquanto falamos de sustentabilidade, começamos a acessar mercados muito mais exigentes, muitos mais nobres, que vão remunerar melhor o nosso produto”, conclui.
“A gente tem esperança que seja um ano melhor, principalmente porque agora estão vacinando. Vamos continuar trabalhando numa perspectiva de um mercado melhor, tanto interno quanto externo. Talvez depois de ter vacina, com a volta dos restaurantes em horários normais, a volta do turismo, a volta do setor de eventos, que também consome muito pescado, a gente possa ter uma arrancada ainda mais forte”
Ozinar Costa, diretor do Sindfrio